Por José Carlos Sanches
“Vivo para florescer outros jardins e, sem perceber, o meu se abarrota de rosas e manacás… Vivo, cada dia, como se fosse cada dia. Nem o último nem o primeiro – O Único…” ( Pablo Neruda )
Neste 22 de março de 2020. A histeria e o medo tomaram conta dos brasileiros devido à proliferação do coronavírus. Depois de alguns dias confinado no meu apartamento resolvi sair para tomar sol e dar uma volta pelo jardim que circunda o condomínio.
Nunca antes tinha percebido o quanto é lindo o nosso jardim. Sabia que estava num ambiente agradável, por diversas vezes passei, algumas outras parei para apreciar o ambiente e conversar com os vizinhos ou acompanhar a minha neta brincando no parque. Mas, em nenhum desses momentos eu tive a sensibilidade para perceber detalhadamente as plantas, os lindos jardins, as sombras, as flores, as cercas vivas, os arbustos, as árvores, a calçada de pedras, os brinquedos e estruturas de madeira que os suportam, o balanço dos galhos ao vento, os cantos dos pássaros, a piscina, os caminhos, o lago artificial bem conservado e limpo, os peixes, o ambiente natural em volta, o estacionamento, os carros estacionados…
Eu estava sozinho, sem a companhia de ninguém, apenas eu a contemplar o lindo jardim.
“Nos jardins da vida abrem-se as flores que enfeitarão seus momentos de felicidade, principalmente se elas forem regadas com o mesmo carinho que embeleza sua vida. ” (Jader Amadi)
Tudo porque devíamos manter distância das pessoas nestes dias de coronavírus, algumas pessoas que saíram dos seus apartamentos, ou chegavam ao condomínio, pareciam assustadas, e quando nos víamos tentávamos ignorar a presença uns dos outros, para não correr o risco de surgir uma conversa e, estando próximos pudéssemos contaminar ou ser contaminado pelo vírus mortal transmissor do Covid -19.
De longe observava as pessoas deitadas nas redes das varandas dos apartamentos vizinhos, outros que entravam e saiam com seus veículos sempre apressados, uma senhora engomando roupar, uma garota no 8º andar de um dos prédios próximos espirrou três vezes, ainda que muito distante já me assustei (pode tudo menos escutar um espirro ou tosse que logo vem o desespero).
Em seguida, surgiu um senhor acompanhado pela esposa e dois filhos, a quase dez metros de distância, sem usar máscara respiratória; deu um espiro, quando eu caminhava tomando sol, mesmo de costa para ele e no sentido contrário ao vento, fiquei preocupado, mas segui a minha caminhada, observando a beleza do ambiente que me rodeava, e o comportamento das pessoas diante da pandemia.
Estávamos todos loucos e amedrontados, só queríamos manter distância das pessoas, ao mesmo tempo em que precisávamos do acolhimento e da palavra amiga de alguém, porém as circunstâncias não permitiam.
Ainda de longe não me contive quando vi um rapaz parado no estacionamento próximo de um carro, mantinha a porta do veículo aberta e olhava para o telefone, parecia estar lendo ou enviando uma mensagem, mantinha sobre o teto do carro um copo amarelo que não sei o que continha. Julguei que seria cerveja, mas não posso afirmar. Pode ser água…
Me atrevi a dar bom dia ao desconhecido, e mesmo à distância de mais de oito metros um do outro começamos a conversar em voz alta sobre o momento de isolamento, medo, histeria, oportunismo político e da necessidade de reagirmos diante do problema e não deixar que a vida pare, que o país pare, senão entraremos numa crise econômica que poderá trazer desemprego, fome, doenças e consequências piores que a causada pelo coronavírus.
Nem oito, nem oitenta! Se não reavaliarmos e atuarmos de forma consciente ainda que mantendo distância das pessoas e controlando a propagação do vírus poderemos perder o controle do país. O mundo não pode parar, o Brasil não pode parar, nós não podemos parar de forma desordenada sem avaliar com profundidade os possíveis efeitos. Ao final da conversa me identifiquei e perguntei o nome do anônimo a quem me dirigi. Respondeu-me Rodrigo. Trocamos um sorriso e nos despedimos.
“Encontros preciosos não são necessariamente os que nos trazem jardins já floridos. São, um bocado de vezes, aqueles que nos ofertam mudas…” (Bárbara Coré)
Seguimos cada um para o seu destino, eu continuei a caminhada a passos curtos, tomando sol ao meio dia, não muito aconselhado, mas necessário e oportuno.
Valeu o rápido passeio pelo estacionamento e jardim do condomínio. Descobri que tenho um lindo jardim ao meu lado e que preciso contemplá-lo por mais vezes com um olhar sensível de poeta e, a sensibilidade auditiva de um morcego.
Com mais tempo e paciência de um monge, não apenas durante o confinamento obrigatório devido a uma pandemia. Há males que veem para o bem!
Que Deus nos livre do coronavírus e proteja a nossa vida dando-nos saúde para viver intensamente cada segundo, acolhendo as pessoas que amamos, cheirando as flores no jardim, escutando o canto dos pássaros nos bosques e percebendo a beleza da natureza bela que que nos rodeia.
Pare para observar o jardim à sua volta. Tire um tempo para cheirar as flores e escutar o canto dos pássaros. Viva a vida! Viva a natureza! Viva o lindo jardim!
“Quem não tem jardins por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles…” (Rubem Alves)
José Carlos Castro Sanches
São Luís, 22 de março de 2020. Visite o site falasanches.com e Fala, Sanches (Facebook) Adquira os livros da Tríade Sancheana: Colheita Peregrina, Tenho Pressa e A Jangada Passou na Livraria AMEI do São Luís Shopping.