“Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino.” (Fernando Sabino)
O meu pai queria que eu fosse médico. Nasci na pacata cidade de Rosário-MA que recebeu status de vila pela Resolução de 19 de abril de 1833 e pela lei provincial nº 7 de 29 de abril de 1835, com território desmembrado de Itapecuru Mirim. Foi elevado à cidade pela lei estadual nº 654 de 6 de abril de 1915. Completou um século em 2015. Situa-se a 70 km da capital do estado e possui uma área de 677,484 km² sendo que sua população estimada em 2014 era de 41.349 habitantes.
Rosário é a segunda cidade que conheço juntamente como Codó onde a torre da igreja fica para trás.Deve existir outra cidades. Por isso dizem que não vai pra frente! Afinal o que é ir para frente? Crescer? Ter muitos prédios? Indústrias? Ruas asfaltadas, sem buracos? Se isso for sinônimo de progresso é verdade que estamos estacionados no tempo ou andando para trás como caranguejo, porque desde a década de 60 pouco houve de melhoria nestes aspectos. Acho até que a minha cidade natal perdeu um pouco da beleza natural nestes 50 anos. Ganhou de presente recentemente um aterro sanitário. Que em verdade só o nome é bonito. Porque de sanitário nada tem, em sua concepção de projeto e operação. Mas este não é o propósito deste artigo. Existe uma luz no fim do túnel florescendo na cidade – uma orquestra de flautas composta por crianças e conduzida por professores de música visionários que dedicam seu precioso tempo para ensiná-las. Acreditam na educação das crianças e investem no futuro do nosso país. Para estes professores eu tiro o chapéu!
No passado ter um filho médico era sonho de quase todo pai. Estudei em escola pública. Desde o Jardim de infância na Escola Paroquial de Rosário. Lembro-me de algumas vezes quando meu avô José Alípio Sanches, homem de palavra, caráter e personalidade forte, admirável, trabalhador da roça, que bateu palmas pela primeira vez “disse ele” quando eu estava em sua casa escutando pelo rádio o resultado do vestibular da UEMA e fui aprovado para Engenharia Civil. Radio este que meu pai deu de presente para o meu avô e levei na cabeça da minha casa ate a casa dele.
Naquela época rádio era quase do tamanho de um baú, hoje cabe num pendrive. Ir para o Jardim com aquele homem (meu avô) é uma boa lembrança que nunca quero esquecer, tenho orgulho deste avô que partiu aos 107 anos como uma lucidez e memória invejável. Do jardim também tenho a lembrança do dia das mães quando declamei uma poesia: ” … carrego papai no bolso e mamãe no coração…” Não entendo porque papai no bolso. Porque também o carrego no coração. Mas, musica, poesia, política e religião não se discute! E da formatura tenho uma foto com um canudo na mão e a Bandeira do Brasil ao fundo. Bons tempos de criança! Que devem ser bem vividos porque não voltam mais. Digo bons tempos do presente também devemos viver como se não houvesse o amanhã porque não voltam jamais.
Meu pai José Firmino Sanches é um homem guerreiro, determinado e empreendedor, filho de lavrador, trabalhou na roça. Nasceu em Anajatuba – MA de poucas palavras, posses e letras. Mas de uma responsabilidade e compromisso com os estudos dos filhos como poucos letrados.
A nossa mesa sempre foi farta, nossos livros, fardas, sapatos nunca faltaram. A Escola, o aconchego do lar, a saúde e o bem estar dos filhos e esposa sempre foi prioridades deste admirável homem. Assim crescemos 8 (oito) irmãos destes 4 (quatro) homens ( Zequinha, Caca, Beto e Uhilton) este com U porque o moço do cartório não sabia escrever com W (lembro disto muito bem porque fui com meu pai no cartório e tínhamos escrito num papel Wilton) mas aportuguesaram o nome e o tornaram original ficou mais bonito (dai surgiu Uhilma genuinamente brasileiro) e 4 (quatro) mulheres (Nilra, Jôse, Nilma e Josete), Jôse era Nilde, até hoje tenho dificuldade em chama-la de Jôse e Josete recebeu este nome em homenagem à medica obstetra que cuidou de minha mãe Zazá quando estava grávida desta.
Vocês devem estar pensando 8 (oito) filhos, mas não esqueçam que os rádios eram grandes, mas nesse tempo, em Rosário, só tinha 1(uma) televisão preto e branco num vizinho distante. Então papai e mamãe não assistiam televisão, dai o resultado. Lembro também de uma coisa que considero engraçada, em nossa casa os homens (irmãos) dormiam na sala da frente da casa, próximo ao quarto dos nossos pais, enquanto as mulheres (irmãs) dormiam no quarto do fundo. Lembro que as paredes deste quarto eram repletas de fotos dos artistas de TV, grandes artistas: Tarciso Meira, Gloria Menezes, Francisco Cuoco, Regina Duarte, Araci.., dentre outros grandes nomes. Uma galeria de celebridades. Não entendo até hoje o porquê desta estratégia, deviam ser elas mais corajosas. Enquanto eu tinha medo de lobisomem, manguda, carroça de Ana Jansen (que podia checar ate Rosário), ladrão e me sentia seguro quando o trem passava à noite em frente à nossa casa – achava que nesse momento tudo estava seguro. Não sei por quê! Coisa de criança.
Do primeiro grau em Rosário ao segundo grau e superior em São Luís. Nada faltava toda semana a rural vermelha e branca chegava de São Luís com a mercadoria para abastecer o comércio e garantir o sustento dos filhos. Dia após dia de espera pelos clientes que de grão em grão alimentavam os nossos sonhos e a esperança de dias melhores. A minha mãe “D. Zaza” Zanilde Castro Sanches é Natural de Rosário de um povoado chamado São Brás (Vidéo), filha de família muito humilde é como dizem por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher. Não de grande estatura, mas de fibra, garra, senso de família e coração de mãe, zelosa e carinhosa com seus rebentos. Essa nos alimenta com a sua paciência e sabedoria. Sempre será a nossa referência e exemplo de mulher e mãe.
E cada filho com a sua meta! Com o desafio de vencer. Concluído o primeiro grau em Rosário. Sempre tive o sonho de estudar em São Luís – lembro-me da satisfação que tínhamos quando éramos escolhidos para ir a São Luís com nossos pais. Aquele ruído dos ônibus, o odor de gás carbônico (agora aprendi que é dióxido de carbono) dos escapamentos a brisa matinal nunca saíram da minha mente.
Depois meu pai comprou o primeiro carro uma Rural Vermelha e branca e outros e continuávamos a disputar a ida para São Luís. Quando não tínhamos a sorte de sermos os escolhidos nos restava aguardar o retorno para saborear as maças que sempre nos traziam. Comíamos maça e bebíamos água gelada após o jogo de futebol diário. Após retornar da aula. Era só colocar os livros na gaveta da cômoda e correr para bater bola – coisa boa! Essa fruta era rara em nossa cidade. E criança se alegra com pouca coisa, apenas carinho e atenção são suficientes para fazer com que eles tenham a alegria dos cachorros ao abanar o rabo para o seu dono estando este alegre ou triste, limpo ou sujo, rico ou pobre.
A beleza da felicidade não se mede pelas posses! Então, iniciei uma nova etapa da minha vida em São Luís, cursando o segundo grau no Colégio “Ateneu Teixeira Mendes” não sei porque me emocionei tanto ao lembrar desta fase da minha vida. Morando por um ano na casa de um compadre dos meus pais, no ano seguinte meu pai comprou uma casa e meus avós José Alípio e Rita Zélia Sanches, mais uma vez presentes em nossas vidas, com muito amor e carinho. E um tio Raimundo que trabalhava na SURCAP em São Luís e nos dava a honra de dormir em nossa casa todos os dias para juntamente com os nossos avós nos dar a segurança necessária.
Dediquei todo meu tempo para o estudo porque sempre que meu pai passava com a rural vermelha e branca, nas viagens que juntos fazíamos de Rosário para São Luís, dizia a ele: ainda vou estudar nesta universidade – UFMA e trabalhar nesta empresa ALUMAR que estava em construção na época.
E assim todos os meus irmãos me seguiram a estudar em São Luís e meu querido pai toda semana nos alimentava e mantinha as despesas e a nossa geladeira vermelha Frigidaire, antiga, cheia de alimentos. Faltava dinheiro para irmos à praia – tínhamos que sair do Bairro de Monte Castelo até a ponta D’areia a pé. Levávamos farofa de ovo com farinha, e algumas moedas para comprar “DINDINS”, mas nunca faltou comida em nosso prato.
Obrigado meu pai! Minha linda mãe sempre mandava um bilhete carinhoso e uma lata de goiabada para comemorar o aniversário de cada filho que morava em São Luís. Ainda hoje guardo comigo alguns destes bilhetes minha mãe amada. A felicidade está nas pequenas coisas! Minha irmã Nilra lavava roupas, fazia comidas, cuidava da casa para nós estudarmos e ainda éramos ingratos e reclamávamos dos cuidados dela. A casa vivia cheia de pó de giz porque nos reuníamos eu e meus colegas de turma para estudar e tudo ficava sujo. Ninguém limpava só ela. Ela também tinha que fazer a comida duas vezes porque a turma que estudava comia o almoço e jantar de uma só vez e ela tinha que completar o jantar com sardinha e ovo, quando retornava da escola. Ó comida boa ovo com sardinha minha mana. Não tenho palavras para agradecer a você minha irmã.
Papai queria ter um filho médico! Estudava muito, dedicação a todo vapor. Enfim chegou o 1º vestibular e lá estou eu inscrito para Medicina. Eu e meu amigo Celson de Jesus Moreira Feques. Natural de Morros – MA. Estudantes profissionais. No 3o ano turbinado – pré-vestibular do Ateneu Teixeira Mendes, com os melhores professores de cursinho de São Luís, à época, e o ilustre professor Veloso de Biologia que coordenava o cursinho, nosso grande incentivador que acreditava todas as fichas na nossa aprovação para Medicina. Vestibular feito! Vem o resultado e não fomos aprovados! Decepção total. Temos que estar preparados para perder sempre que buscamos algo que não depende unicamente de nós. Mas, não foi fácil perder essa primeira batalha.
Ao avaliar onde falhei descobri que não fiz o numero de pontos suficiente em química matéria de maior peso juntamente com biologia pré-requisito básico para vestibular da área médica. Primeira mudança de plano na minha carreira de estudante. Resolvi fazer vestibular para química licenciatura, achando que iria aprender química e voltar a fazer vestibular para medicina. “Só sei, que nada sei” Sócrates. Ledo engano, dizia para meu pai que queria estudar na UFMA. Lá eu já estava e que queria trabalhar na Alumar, ainda era um sonho. Como licenciado em química logo comecei a dar aula no ensino médio como professor contratado do estado, depois nomeado até hoje continuo no magistério nesta nobre missão. Seria impossível trabalhar na Alumar como professor então, mais uma vez, mudei o plano, prestei vestibular novamente e iniciei a faculdade de Química Industrial, ao final estagiei na Alumar e permaneci por 27 anos nesta empresa.
Paralelamente estudava Engenharia Civil que ao 7o período quando entrei na Alumar tive que tomar a decisão de trancar até ser jubilado, por impossibilidade de trabalhar e estudar, no mesmo turno, não concluindo esta etapa importante da minha formação acadêmica e profissional.
Parece não ter sentido, mas a falta desta formação me limitou nas futuras oportunidades de crescimento profissional e pós-graduação na área de segurança do trabalho. Interessante que me formei em química, mas enveredei profissionalmente para a área de meio ambiente, segurança do trabalho e higiene ocupacional. Que me fascinam e me realizam complementando a minha missão de professor de química que muito me orgulha.
O mundo dá muitas voltas! As decisões que tomei no passado foram acertadas e me permitiram realizar inúmeros trabalhos de sucesso, conhecer pessoas maravilhosas, dar o melhor para meus filhos e esposa, desenvolver o meu potencial de liderança e poder contribuir para o crescimento pessoal e profissional de inúmeras pessoas e alunos com as quais convivi e trabalhei nestes 54 anos de vida.
Cumpri os dois objetivos de estudar na UFMA e trabalhar na ALUMAR com louvor e maestria. Agora vou buscar novos desafios e oportunidades redefinir os meus planos na busca de uma melhor qualidade de vida e maior integração com meus familiares e amigos. Com a missão de expandir todo o conhecimento e experiência.
Agradecer ao meu pai, minha mãe, irmãos, professores, amigos, colegas de trabalho e de classe nas escolas por onde passei e a minha esposa Socorro Sanches e aos meus filhos Rafaelle, Fabielle, Danielle e Daniel por tornarem possível todos esses momentos de felicidade.
E fiz mais casei com uma mulher maravilhosa, benção de Deus para minha vida, criei minhas filhas e meu filho, e já tenho uma linda neta Julie Sanches Simas Lopes e estou aguardando meu primeiro neto Rafael Sanches Cutrim. Interessante que Rafael seria o nome do meu primeiro filho. Se fosse homem é claro! Como foi mulher ficou Rafaelle e esta nos retribui com o nome do seu filho.
O mundo gira! Rafa casou com Erlandson, Fabi com Jorge Augusto e Dani com Pablo Leonardo. Ganhei ao mesmo tempo três genros e filhos pelos quais tenho profunda admiração, respeito e cuidado. Só tenho que agradecer a Deus por tantas bênçãos em minha vida!
“Deus faz as coisas de maneira tão integrada e maravilhosa que nos coloca uns na vida dos outros para que tenhamos a oportunidade de crescer.” (Leila Navarro)
Tenho algo a perguntar para meu pai. Que nunca antes tinha pensado. Só agora refleti sobre este fato! O que você queria que eu fosse quando crescer? As voltas que o mundo dá as decisões que tomei ao longo da vida que desviaram o seu plano de ter um filho médico frustraram você?
Querido pai! Quero dizer a você que ao longo da vida fui descobrindo que a medicina não seria o meu forte! Não gosto de ver sangue, prefiro manter distancia de hospitais, às vezes deixo de tomar um remédio após ler a bula com medo do efeito colateral e tenho medo de doença.
Então, as escolhas foram acertadas e faria tudo novamente. Se fosse possível atendê-lo no seu desejo de “ter um filho médico”, descobri que poderia fazê-lo na profissão que adotei trabalhando na área de saúde, segurança, meio ambiente e higiene ocupacional. Onde posso interagir e valorizar as pessoas, proteger a integridade física e a vida e preservar o meio ambiente tudo de uma só vez, e ainda ser Feliz. Quer mais? Talvez alguns dos seus netos ou bisnetos queiram seguir a profissão de médico. Deixo a dica para eles.
“Pois a natureza não nos faz crescer apenas em forças e tamanho. À medida que este templo se amplia dentro dele o espaço reservado para alma e para inteligência.” (William Shakespeare)
Perdoe-me meu pai! Não sou médico, sou químico!
Muito obrigado meu velho pai! Minha querida mãe! Meus irmãos parceiros de todos os momentos! Meus avós (in memoria), tios e amigos pelo exemplo de vida e pela oportunidade de juntos construirmos esta historia.
“Crescer custa, demora, esfola, mas compensa. É uma vitória secreta, sem testemunhas.” (Martha Medeiros)