Por José Carlos Castro Sanches

Saí de casa com a missão de entregar alguns documentos para um seleto grupo de pessoas. Peguei a lista de endereços e pus-me a organizar a logística e sequência de entrega para tornar a trajetória mais curta e o processo mais rápido.
A minha referência era uma lista desatualizada de endereços (que só descobri no decorrer da tarefa), com os nomes dos destinatários. Peguei o meu celular, acessei o Google Maps e estudei os melhores trajetos; inseguro quanto ao uso da internet copiei também as referências em uma folha de papel – caso a internet caísse teria em mãos um plano B.
Depois de todo o planejamento e visualização dos percursos, enfim iniciei o trabalho. Organizei o passo a passo dos cinco endereços das pessoas a quem eu deveria entregar os documentos naquela manhã nublada de 10 de outubro de 2021, data de nascimento do nosso poeta maior Antonio Gonçalves Dias, fato que tinha correlação direta com a minha visita aos escritores por se tratar de interesse literário, o que me faria circular 39 km, pelas ruas da Ilha Magnética de São Luís – seguindo rumo ignorado, orientado pelo Google Maps, desatualizado.
Julgava que o Google me levasse facilmente aos lugares desejados. Então, o programei para o endereço que seria no Green Village. Dei início à maratona no Condomínio Jardins, seguindo pela Avenida Deputado Luis Eduardo Magalhães – quando passava em frente à Reserva do Rangedor – o Google Maps informava que eu havia chegado ao destino – era tudo ilusão, ali não havia nenhuma casa ou prédio com o endereço que eu tinha em mãos – julguei que pudesse ter passado do ponto, dei a volta e refiz a rota – novamente indicava aquele ponto como se fosse o local procurado. Naquele momento, tive certeza de que estava seguindo uma bússola que não me levaria a lugar algum. Resolvi seguir em direção ao segundo endereço – puto da vida, bufando e falando uma dezena de palavras que não posso escrever aqui – ainda bem que estava sozinho e podia liberar as frustrações à vontade.

No caminho ao endereço seguinte, percebi uma “office boy” sobre uma moto à sombra, do lado oposto da avenida em frente ao Golden Shopping Calhau – parei e perguntei a ela se conhecia algum prédio naquelas imediações com o nome “Green Village”, ela respondeu – apontando com o dedo indicador – me parece que aquele prédio bem em frente tem o nome de “ Village – alguma coisa” – manobrei em marcha a ré no meu Renault 1.0, retornei para a pista contrária e percebi que se tratava do endereço procurado, que encontrei por acaso, distante do local onde o Google havia orientado anteriormente.
Ao chegar na portaria do condomínio, apresentei-me para o guarda e disse o nome da pessoa a quem deveria entregar o documento. O atencioso recepcionista confirmou que o ilustre literato a quem eu procurava era morador daquele condomínio. Perguntei-lhe se poderia entregar um envelope ao Sr. Péricles de Jesus. Pediu-me um tempo para ir até à casa do destinatário confirmar se poderia receber. Sendo autorizado entreguei-lhe a encomenda, então ele seguiu de volta até a residência e cumpriu o prometido – assim, eu conseguia realizar a primeira tarefa programada, graças à office boy que ocasionalmente cruzou o meu caminho e ao generoso porteiro que se disponibilizou a me ajudar por livre iniciativa.
Segui para o segundo endereço na rua das Sambaquis, quadra 11, casa 6 – depois de uma confusa procura, de repetidas quadras com o mesmo número; encontrei mais uma vez por acaso um senhor, moreno e perguntei-lhe se sabia informar onde ficava a quadra 11 – prontamente informou o local exato – fiquei alegre certo de que entregaria o “documento” ao destinatário mais rapidamente que na primeira tentativa. Cheguei ao endereço, bati no portão de alumínio e apertei a campainha até que uma paciente senhora de cabelos trançados “tererê” me atendeu – disse-lhe da minha intenção de entregar um documento para o Sr. Macedônio dos Anzóis – ela falou que aquele nome era desconhecido e que provavelmente eu estava no endereço errado porque outros casos já haviam ocorrido do “UBER” levar passageiros para aquele endereço erroneamente. Acrescentou: volte mais tarde porque o pessoal da casa ainda está dormindo e eu sou novata por aqui – era meio dia e eles ainda dormiam – enquanto eu perdia meu tempo à procura de alguém que informara o endereço errado. Voltei por volta das 14h, e fui informado pela proprietária da casa de que a pessoa que eu procurava não residia naquele endereço e que provavelmente ele tenha morado ali no passado distante. Se eu pudesse dizer o que pensava e mostrar a minha indignação poderia não ser polido – então engoli mais uma vez a frustração e segui para o terceiro endereço.

Agora o destino era a Avenida Colares Moreira, quadra 19, casa 15 – depois de rodar feito cachorro doido – indo e voltando, encontrei o endereço desejado. Ao chegar na porta da casa fui atendido por uma senhorita, perguntei-lhe se aquela era a residência do Sr. Juvêncio Matos Trancoso – ela respondeu que não conhecia ninguém com aquele nome. Mas, disse – vou chamar o Sr. Eduardo, talvez ele saiba quem é. Logo, chegou Eduardo Iluminado da Silva, carioca da gema, um jovem senhor, educado, alegre, carismático que trabalha promovendo festas de casamentos, aniversários e outros eventos de destaque para a sociedade ludovicense. Afirmou fazer tudo com tanto amor e carinho que as noites mal dormidas passam sem perceber, pelo prazer de servir bem, para servir sempre o cliente.
Ao se apresentar Eduardo disse que o Sr. Trancoso, a quem eu procurava era o seu sogro – e estava hospitalizado, não morava naquele endereço há muitos anos. Solícito me convidou para conhecer sua propriedade, mostrou-me o espaço residencial, um lindo jardim de festas com fundo para o mar – lugar agradável e romântico, onde se tem vontade de casar e participar de momentos festivos com familiares e amigos. Transpirando simpatia, disse-me que eu poderia deixar a encomenda que ele faria chegar ao destinatário, assim foi feito. Graças à minha persistência e a generosidade do anfitrião consegui fazer mais uma entrega.
Agora, o novo endereço era na Rua do Alecrim, 221, Centro – entrei pelo sentido contrário da rua – os números das casas iniciavam em 54 e decresciam até 7, e a rua acabou de frente para um prédio antigo, numa travessa de nome ignorado, então, tive que dar uma volta de 180 graus para encontrar o lado oposto da rua e seguir à procura do endereço procurado – enfim encontrei.

Parei o veículo num recuo da rua estreita. Fiquei feliz porque acreditava que entregaria mais uma encomenda, ledo engano. Ao chegar à porta da antiga casa de azulejos – tudo indica uma relíquia das construções portuguesas – visualizei uma pequena janela aberta, bati palmas e chamei por alguém – depois de algumas tentativas, apareceu uma jovem senhora de nome Maria. Perguntei-lhe se se o Sr. Juvenal da Assombração se encontrava. Ela respondeu – esse Senhor não mora aqui há muito tempo – sempre vem alguém à sua procura – não sei o seu destino, tampouco o conheço e prosseguiu – deve ter sido um morador antigo desta casa. Agradeci e sai decepcionado de mais uma tentativa – tem dia que as coisas não querem dar certo de jeito nenhum, suspeitei que aquele domingo de outubro era esse dia azarado. Segui desiludido para o meu automóvel, com o propósito de voltar para casa – visto que a barriga roncava de fome e a cabeça fervilhava de raiva, pelas tentativas frustradas de encontrar os destinatários de endereços errados. Maldita lista desatualizada, que me fez de besta pelas ruas da Ilha do Amor.

Ao entrar no veículo recebi uma ligação da minha esposa perguntando onde eu estava – advinha quem recebeu a bordoada em lugar dos destinatários, a coitada da minha amada que nada tinha a ver com o meu problema, tampouco com a lista de endereços errados e com o Google Maps desatualizado. Eu estava puto da vida e impaciente; fui ríspido e desliguei o telefone. Em seguida ela me enviou a seguinte mensagem: “Olha aqui o que tua irmã me enviou agora – a tua prima AASB, faleceu e o velório está acontecendo na Pax do Canto da Fabril. O sepultamento será realizado, hoje (10/09) no Cemitério Jardim da Paz próximo ao Maiobão, às 16h.

Essa triste notícia soou como água fria na fervura e me fez refletir que não valia a pena correr desesperadamente em busca de coisas que não agregavam valor à minha vida. Logo, tive motivo para voltar para casa e esquecer os problemas, visto que tudo aquilo era insignificante diante daquela notícia inesperada, da perda prematura e do sofrimento dos meus familiares. Por outro lado aprendi uma lição que compartilho com os leitores: quando você mudar de residência não esqueça de atualizar o seu endereço – para não fazer aos outros de bobos, como me fizeram neste dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher e data de Nascimento do grande expoente do romantismo brasileiro e da tradição literária conhecida como “indianismo”, famoso por ter escrito o poema “Canção do Exílio”, o curto poema épico I-Juca-Pirama e muitos outros poemas nacionalistas e patrióticos, além de seu segundo mais conhecido poema chamado: Canções de Exílio que viriam a dar-lhe o título de poeta nacional do Brasil.
Lembrei-me também do filme “O Carteiro e o Poeta” que retrata a vida de Pablo Neruda no exilio, hoje me senti um pouco carteiro enganado e poeta perdido. Como devem sofrer os carteiros! Os poetas, nem se fala. Todo aquele que procura um endereço e não o encontra, verdadeiramente está perdido. Se para mim o dia foi ruim, imagine para quem descarregou um caminhão de cimento no endereço errado?

São Luís, 11 de outubro de 2021.
José Carlos Castro Sanches
É químico, professor, escritor, cronista e poeta maranhense.
Membro Efetivo da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Associação Maranhense de Escritores Independentes, da União Brasileira de Escritores e do PEN Clube do Brasil.

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