“Em minha casa reuni brinquedos pequenos e grandes, sem os quais não poderia viver. O menino que não brinca não é menino, mas o homem que não brinca perdeu para sempre o menino que vivia nele e que lhe fará muita falta.”
Pablo Neruda
Nesta semana circulou pelas redes sociais algumas fotos de brinquedos que me fizeram voltar ao passado e relembrar os brinquedos que usei na infância, quando não havia celular, brinquedos eletrônicos, robôs e outras tecnologias disponíveis. Os brinquedos eram simples, fabricados na maioria das vezes pelas próprias crianças com a genialidade e criatividade de acordo com as posses, bens disponíveis e a diversidade de opções que o ambiente natural oferecia.
A própria natureza já deixava a dica e o inventor mirim usava o que ela oferecia para dar asas à sua imaginação e criarem brinquedos fabulosos, que alegravam suas vidas nas mais humildes habitações. Assim era a vida sem monotonia e preocupações.
“Ser criança é ser livre para inventar brincadeiras, fazer descobertas e aos pouquinhos aprender a ler o mundo.” (Fernandaah). Sem limite para a criatividade.
Saudade das brincadeiras de ruas, com os meus irmãos, primos e amigos de infância a quem dedico este artigo. Também aos meus conterrâneos Rosarienses, contemporâneos ou não da minha infância.
Guardo comigo as lembranças daquela cidade maravilhosa onde nasci, cresci e voei para o mundo para estudar e poder contar um pouco da nossa história.
Os nossos brinquedos eram simples, confeccionados em casa pelos pais, familiares, amigos e na maioria pelas próprias crianças.
Destaco os brinquedos que marcaram a minha vida e iluminam as minhas belas lembranças da infância:
Carrinho de rolamento (rolimã); bola de futebol (de seringa), bola de meia e bola de gude (conhecidas como “bolinhas”);
Carrinho de lata de leite – cheio de areia, tipo rolo, puxado por um cordão que mantinha ao centro um pedaço de arame para não ser cortado pela lamina durante o movimento; os carros de lata de óleo normalmente usávamos as laminas para fabricar caminhões, camionetas e outros veículos – eram brinquedos para o tempo livre;
Pião de coco babaçu, quanto maior melhor porque tínhamos que usar para bater no outro durante o jogo, quanto maior a batida, mais longe jogávamos o pião do adversário – além de poder girar mais tempo – isso era motivo de orgulho e sucesso;
Pipas (chamada de papagaio) – empinadas com linhas afiadas com cerol – a disputa era ferrenha para saber quem cortava mais a linha do papagaio do outro, era uma festa quando ganhávamos e uma tristeza quando víamos a nossa pipa soltar-se da linha e divagar pelo vento, sem rumo até ser recebida com alegria no braço das crianças que corriam seguindo a queda das mesmas com uma vara na mão, sem olhar para nenhum lado, seguiam olhando para o horizonte esperando pegar a pipa que sorrateiramente se aproximava do chão para alegrar a meninada. As brigas também faziam parte da brincadeira, quem pegava a pipa sempre tinha um adversário para contestá-lo seja pelo fato de não gostarmos de perder ou pelo desejo genuíno de tomar posse daquele objeto voador que não era possível ser adquirido facilmente pela maioria das crianças que ousavam obtê-lo, as crianças em sua maioria eram de famílias muito humildes e não dispunham de recursos para comprar uma pipa. A única forma de conseguir seria nesta empreitada concorrida, silenciosa e nem sempre justa…, porém alegre…coisa de criança que nunca se deixa vencer… perdia uma pipa hoje pegava outra amanhã. E assim a vida continuava como o vento que soprava as pipas sem poder se apropriar delas sobrevoando o infinito, afinal o sonho de muitas crianças era vê-las cair em suas mãos.
Baladeira – A baladeira com cabo de madeira em “Y” amarrado a duas ligas de borracha de pneus de carro ou bicicleta, com um suporte de couro para colocar as pedras que seriam lançadas para atingir o alvo desejado. Muitas vezes fomos severos com os pássaros, dentre outros animais lagartos, lagartixas, preás… alvejados por nossas baladeiras assassinas. Não tínhamos a consciência ecológica que os nossos filhos e netos tem hoje. Evoluímos neste aspecto. Preservar o meio ambiente hoje é um requisito ensinado nas escolas e as crianças já praticam isso com mais intensidade.
Tomar banho de chuva – correndo pelas ruas da cidade de Rosário-MA, passávamos pela estação ferroviária, pracinha, praça da matriz – aquele “magote de crianças” livres e soltas correndo alegremente pela cidade agradecendo pela chuva e comemorando a liberdade.
Era maravilhoso esse passeio… na casa dos meus pais tinha um corredor de entrada com um piso vermelho liso – antes os pisos eram alisados com a própria colher do pedreiro – eles colocavam uma tintura vermelha e passavam lentamente a colher até o piso ficar todo pintado e liso – quando chovia nos jogávamos de peito neste piso escorregadio e deslizávamos por uns cinco metros – era a nossa piscina apenas com a lamina de água da chuva.
Era uma alegria sem fim…consigo lembrar desse momento com tanto satisfação e emoção que as lágrimas escorreram em meus olhos trêmulos… tem coisa que não tem preço e nada é capaz de tirar da nossa memória.
São inesquecíveis lembranças de uma infância feliz na casa dos meus queridos pais, junto com meus irmãos e amigos de infância que hoje estão distantes…pelas circunstâncias da vida que não nos permite viver eternamente na infância. Precisamos crescer, alçar voos e contar as nossas histórias para manter a beleza da infância que não volta mais.
Criar passarinho preso nas gaiolas era também um “hobby” de criança. Sei que hoje não é bom falar dessas coisas porque já estamos um pouco mais conscientes da importância de manter os animais soltos, ao invés do cativeiro, mas o canto daqueles pássaros era de uma pureza sem precedentes. Ainda presos nos abençoavam todos os dias com o seu belo canto.
Jogo com carteiras de cigarro antigas – Aquele jogo de dado com carteiras de cigarro como se fosse dinheiro de verdade é outra coisa inesquecível. Minha primeira poupança. Guardava aquela caixa cheia de carteiras “dinheiro falso” que valiam “milhões na imaginação de criança” como se fosse o meu tesouro. Tinha tanto cuidado que escondia debaixo da cama no quarto das “meninas” minhas irmãs, porque sabia que lá era seguro, elas não iriam mexer. Mais eu tenho um primo chamado Natinho que juntamente com meu irmão Caca – que “roubavam” as minhas economias para jogar em outra banca. Assaltavam frequentemente a minha “caixa de dinheiro virtual.” Com aquela caixa de madeira, um copo e um dado ganhava muito dinheiro falso naqueles jogos de criança – talvez dai a minha dificuldade para gastar dinheiro real – prefiro usar o cartão de credito – porque parece que não é dinheiro de verdade. Quando tenho que pagar algo com dinheiro vivo confesso que não é fácil.
Quem souber o que pode ter causado esse trauma me ajude a entender.
Carrinho de rolamentos (Rolimã) – O carrinho de rolamentos era o meu brinquedo predileto, minha maior satisfação era está sobre aquela “Ferrari de rolimã”, me sentia um “Piloto de Fórmula 1”. Meu pai não deixava eu e meus irmãos sairmos de casa para brincar naqueles carrinhos de rolimã. A nossa casa tinha o fundo para uma rua asfaltada. Todos os dias em algum momento de desatenção dos meus pais. Enquanto o meu pai ficava no comercio e a minha mãe nos afazeres domésticos preparando a comida na cozinha. Eu e meus irmãos pulávamos o muro, jogávamos o carrinho de rolimã e iniciávamos os nossos treinos de fórmula 1. Um de nós ficava sentado no carrinho enquanto outro empurrava, num sistema de revezamento para todos serem beneficiados, não existia exploração ou esperteza. Corríamos felizes pelas ruas de Rosário numa alegria sem fim. A velocidade libera adrenalina, joga o medo para o lado e nos dava uma sensação de liberdade fora de série. Carro de pobre só anda empurrado. Uma alegria indescritível!
Xuxo – O xuxo um brinquedo arriscado porque qualquer jogada fora de controle poderia furar o próprio pé. Afiávamos o xuxo de metal (arame grosso) na calçada e dobrávamos a extremidade oposta para melhorar a pega. O jogo era jogar o xuxo para cair em pé e riscar uma linha no chão interligando os pontos (minha primeira lição de trigonometria e desenho geométrico sem sequer imaginar que existiam) até fechar as linhas que permitissem a passagem do opositor. O melhor jogador era aquele que conseguia prender o adversário impossibilitando-o de sair em linha reta a partir do ponto que estivesse. O desafio requeria habilidade, destreza e inteligência. Ganhava o jogo que fosse mais competente com a arte de jogar o xuxo.
Jogar Futebol – O jogo de futebol era sagrado. Todos os dias ao chegar da escola jogava os livros na gaveta da cômoda e corria para o campo de areia em frente à casa de “José Leão” vizinho de frente à casa dos meus pais ou na rua asfaltada frente à casa de Dona Corina, vizinha ao fundo da nossa casa. Não faltavam amigos de infância para essa “bola sagrada” todos os dias. Se vocês não sabiam eu era um craque – com dribles sensacionais com a perna esquerda de deixar os torcedores boquiabertos, meus irmãos Caca era um zagueiro forte e destemido, o outro irmão Beto também jogava bem. Meu primo Natinho “ladrão” das minhas carteiras de “dinheiro falso” era um “perna de pau” que achava que sabia jogar alguma coisa. Meu irmão mais novo Uilton estava aprendendo jogar bola – hoje ainda é o único que continua jogador de final de semana, sem nenhuma medalha de melhor do mundo como Messi e Cristiano Ronaldo.
Quando ficamos adolescentes além dos jogos sagrados, todos os dias, após a escola. Íamos todos os finais de semana, no domingo à tarde, para a casa de Seu Didi Cunha. Um velho amigo morava em um sítio distante, construiu um campo de futebol em volta de uma mangueira próximo à sua residência, onde reunia os amigos para jogar bola aos domingos depois do almoço. Eu, meus irmãos, primos e amigos nos deslocávamos no sol quente naquela distância para jogar bola e “matar a secura pelo jogo de futebol” no sitio de Sei Didi. Era um velho de fibra, raça e determinação jogava como criança – sem as qualidades de Ronaldo o fenômeno, Zico, Pelé, Maradona ou Neimar Jr., mas era disciplinado para treinar, embora casqueiro feito alguns colegas que se irritam facilmente quando recebem um drible desconcertante ou uma falta não intencional. Isso faz parte do futebol, mas nem todos entendem nem Seu Didi é claro!
Seu Didi era um homem admirável tinha para ser meu avô naquela época. E tinha uma vitalidade de criança. Corria, gritava, brigava, jogava futebol como poucos jovens. Era a nossa inspiração para os jogos de futebol não pela qualidade técnica, mas, pelo preparo físico, garra e vibração. Naquela idade sempre estava alegre e disposto. Quando sofria uma lesão “cuspia na mão” e passava no local afetado e estava curado segundo ele – não ficava reclamando de dor ou coisa parecida. Não fazia corpo mole. Era um vencedor, determinado e vibrante. Um grande homem trabalhador, lavrador que cultivava verduras, frutas e legumes na sua propriedade e vendia diariamente na cidade de Rosário. Sempre andava de bicicleta com aquelas caixas cheias de frutas, verduras e legumes na garupa daquela velha companheira. Fora da sua casa nunca vi aquele homem sem a sua bicicleta era quase um amuleto.
Seu Didi criou e educou todos os filhos (que não eram poucos estimo em dez), vendendo verduras, frutas e legumes… mais tarde estes filhos passaram a ajuda-lo na plantação, colheita e venda dos produtos. Cada um na sua bicicleta. Fiquei amigo dos filhos dele e estudamos juntos no Colégio Paulo Ramos, em Rosário – os colegas intrigados que estudavam em outra escola apelidavam a nossa escola de “Peru Roubado” pelas iniciais P e R. Não sei os motivos do apelido aparentemente sem sentido, acho que era por intriga da oposição – visto que o nosso colégio era o melhor da cidade.
Jogo de Botão – O jogo de botão era “mais chique”. Eu tinha um time de botão – todos lustrados que jogávamos com muito cuidado sobre a mesa. Não era muito comum jogarmos porque requeria mais concentração e tempo. O que não é fácil para crianças.
“As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.” (Lev Vygotsky)
Tinha duas atrações que chamavam a minha atenção quando criança: a primeira era um cidadão que tinha um caminhão todo feito de buriti – que ele usava para carregar todos os seus pertences. O carro era forte e robusto – tinha a maior vontade de poder tocar nele, mas o dono era muito ciumento e não permitia que ninguém chegasse próximo.
Esse moço negro, que acho tinha a inteligência acima da média, apesar de viver isolado e morar sozinho construiu sozinho o seu próprio carro. Ele tinha um apelido não muito atrativo “cangambá” ou coisa parecida – não sei o motivo do apelido só a lembrança de que dizer que chamá-lo deste apelido era uma grande ofensa e o “cabra” ficava macho queria bater em todo mundo. Com isso o meu medo de encostar naquele caminhão feito de buriti era cada vez maior.
Até hoje sou curioso como ele fazia aqueles movimentos de rodas dianteiras, carregava uma carga pesada e era manobrado por uma peça estendida de madeira que se interligava com a carroceria e através de uma manivela que ficava junto à sua mão ele empurrava aquele carro durante todo o dia – aplicando uma força que não me parecia excessiva pela facilidade com que manobrava e fazia os giros e movimentos. Aquele moço devia ter estudado com Einstein ou Galileu para entender tanto de mecânica e aplicar naquele carro que gostaria de ter brincado, mas ele não deixou. Ficou apenas a lembrança “cangambá!”
A segunda atração que me movia quando criança e me deixava entusiasmado e curioso era quando aqueles carros parecidos com carros de corrida da época vindos de São Luís chegavam em nossa cidade. Nos chamávamos de carros de fórmula 1, porque eram bem baixos, largos e faziam aquele roncado diferente… era uma festa da criançada quando estes barões de São Luís nos visitavam com seus carros importados…ou sei lá se não eram carros populares por lá e nossa visão limitada do mundo nos fazia pensar que eram coisas do outro mundo.
Sendo o que fosse era uma atração em minha infância.
Lembrei que meu pai não deixava que jogássemos jogos de azar, apostados, ficava só na vontade olhando os colegas jogarem: bilhar, dama, dominó, baralho, e outros jogos de azar. Algumas vezes dei uma fugida e tive poucas oportunidades de praticar esses jogos. Hoje sinto falta quando me convidam para participar destes jogos. Sou arredio, distante e perco a oportunidade de interagir com amigos e conhecer outras pessoas. Algumas limitações da infância nos acompanham por toda a vida.
Triciclos, bicicletas e brinquedos de lojas – Depois vieram os triciclos, as bicicletas e os brinquedos que os meus pais compravam em São Luís e nos presenteavam principalmente nas datas festivas como aniversários, natal e ano novo. Já começava a entrar a tecnologia em nossas vidas. Vou parar por aqui e deixar para continuar em outra oportunidade…quando contarei o efeito da tecnologia em minha vida.
Quais foram os seus brinquedos na infância? Eles marcaram a sua vida?
“O maior instinto das crianças é precisamente liberta-se do adulto.” (Maria Montessori)