“A amizade é um amor que nunca morre.” (Mario Quintana)
Ontem eu e minha esposa fomos ao show “Buteco do Gustavo Lima” que ocorreu no estacionamento do Shopping São Luis. Quando chegamos ao local do evento ainda era cedo e procurávamos um local estratégico próximo ao palco para melhor visualizar e curtir as músicas até que definimos um lugar para ficar. Ao pararmos junto a um pequeno grupo de pessoas reencontramos uma grande amiga da família, viúva do meu amigo Francisco que ali estava com algumas amigas para assistir ao show, relaxar e tentar amenizar o sofrimento provocado pela perda e falta do marido. Afinal foram 46 anos de casados numa relação de cumplicidade, companheirismo e amizade que se fortaleceu ao longo do tempo.
“Paz e harmonia: eis a verdadeira riqueza de uma família.” (Benjamin Franklin)
Conheci Francisco quando trabalhava numa empresa metalúrgica local. Ele tinha uma empresa de prestação de serviços que atuava no recolhimento de óleo contaminado, transporte de cinzas e fornecimento de varas, dentre outras atividades de suporte operacional.
A empresa metalúrgica exigia forte aderência das empresas contratadas aos padrões, procedimento e normas internas relativas ao meio ambiente, saúde ocupacional e segurança do trabalho, valores fortemente consolidados pela empresa em todas as suas unidades de negócios. Francisco passou a manter uma relação profissional muito próxima comigo buscando adequar os processos de EHS da sua empresa aos padrões da empresa contratante. Tornamo-nos amigos.
“Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolver em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos.” (Sócrates)
Francisco era um profissional focado, trabalhador compulsivo, determinado e inteligente de admirável capacidade criativa, sempre buscava a inovação nos processos de sua responsabilidade. Um homem admirável, amigo de todas as horas e cuidadoso pai de família. Tinha uma alegria contida num sorriso manso; demonstrava satisfação e entusiasmo imensurável ao tratar de assuntos técnicos relacionados ao seu trabalho. Buscava sempre a melhoria continua através do desenvolvimento de processos, novas tecnologias, alternativa diferenciada para aumentar a produtividade da equipe e melhoria continua dos trabalhos que realizava. Sobretudo para adequação dos equipamentos às demandas crescentes da área.
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.” (Maria Julia Paes de Silva)
Por obra do destino perdeu a concorrência para continuar prestando serviço para a empresa contratante. Como se dedicava integralmente a estes contratos, a sua empresa sofreu um grande impacto e decretou falência alguns meses depois. O fato de ter perdido dois grandes motivadores da sua vida: o trabalho e a sua empresa (dos quais falava com orgulho sempre que nos encontrávamos), fez com que perdesse o rumo da sua vida profissional.
Apesar das inúmeras tentativas de manter a empresa, buscando novos clientes, não conseguiu sucesso. Como citei anteriormente, Francisco era “Workaholic”, um trabalhador compulsivo, viciado em trabalho e dependente de uma ocupação. A perda contrato de prestação de serviços, significou para ele, uma grande derrota e o tornou refém de uma depressão que precipitou o surgimento de outras doenças e o acompanhou até a morte.
“O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo.” (Honoré de Balzac)
Francisco gostava de manter amizades, apesar de poucos amigos como sempre dizia. Tornamo-nos amigos de verdade! Independentemente da situação, sempre que era possível nos encontrávamos. Mas, as circunstancias e o tempo nos afastaram. Poucas vezes nos encontramos nos últimos cinco anos, apesar dos insistentes convites que eu fazia, ele quase sempre encontrava uma desculpa para faltar (ocupado com algo importante ou desanimado para a vida). Outras vezes justificava a impossibilidade do encontro. Apesar de tudo eu respeitava a sua ausência, que em nada abalava a nossa amizade.
“Quando defendemos os nossos amigos, justificamos a nossa amizade.”(Marquês de Maricá )
Um dos últimos encontros formais que participamos juntos foi no casamento do seu filho mais velho. Este foi um dos casamentos mais lindos que já presenciei, algumas vezes visitamos o casal em sua residência, outras os recebemos em nossa casa. Era sempre um momento agradável e descontraído em família.
“Na vida de um homem não há dois momentos de prazer parecidos, tal como não há duas folhas na mesma árvore exatamente iguais.” (Honoré de Balzac)
Francisco diante da frustração pela perda da empresa, da solidão, dentre outras decepções e da necessidade de buscar novas oportunidades de negócio e manter-se ocupado com algo que pudesse fazê-lo esquecer dos problemas que o afligiam decidiu ir morar em Vargem Grande no interior do Maranhão e investir na plantação de eucaliptos, deixando a esposa e filhos em São Luís.
“A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família.” (Leon Tolstói)
Acerca de seis meses, certo dia pela manhã, enquanto fazia compras no Supermercado Mateus do Turu, encontrei-me com Luís Carlos Azevedo, amigo comum que me perguntou: “Você soube do falecimento de Francisco?”.
Fui surpreendido pela notícia dias depois que o meu amigo já havia partido sem dar adeus, nem deixar sinais de que estava doente no leito de um hospital em São Paulo. Ao sermos informados já passavam dez dias do ocorrido, então entramos em contato com a viúva de Francisco. Naquela oportunidade apenas para externar a dor pela irreparável perda de um grande amigo. A vida é efêmera!
Quando eu menos esperava ele se foi. Tudo ficou para trás! Só valeu o que construímos juntos, o que vivemos intensamente, a amizade verdadeira, o sorriso manso, a alegria dos encontros, a beleza da vida.
Meu amigo Chico você seguiu para o além, mas o que construímos juntos nunca será esquecido. Fique seguro nas mãos de Deus. Espero que você não continue fumando, desesperadamente, um cigarro após o outro, como algumas vezes durante os nossos encontros suportei aquelas baforadas fora de hora, mesmo sabendo que o fumante passivo sofre as consequências geradas pelo ativo. Eu padecia na fumaça para não abalar o forte vínculo de amizade que construímos espontaneamente e encerrou-se com a sua partida prematura para o céu.
“A infelicidade tem isto de bom: faz-nos conhecer os verdadeiros amigos.” (Honoré de Balzac)
Durante o nosso convívio ocorreram três acontecimentos marcantes que sempre lembro com alegria e gratidão:
O primeiro ocorreu quando certa vez Francisco me convidou para almoçar em sua casa. Eu e minha esposa chegamos por volta de 11 horas da manhã. Ele, então, serviu algumas latinhas de cerveja. Como não aprecio bebida alcoólica fiquei a beber água aguardando o almoço. A esposa de Francisco ao mesmo tempo em que conversava demais, preparava a comida que não saía de jeito nenhum, eram quase três horas da tarde e nada do almoço ser servido. Eu tenho um grande problema comigo se alguém me convidar para um jantar ou festa detesto ficar esperando horas para ser servido, tanto que às vezes para não ficar aborrecido nestes eventos normalmente vou de barriga cheia, nesse dia não fiz isso.
Aí, então, aconteceu a minha gafe: tinha uma lata de castanha em cima da mesa e Francisco disse que eu poderia comer. Ele só não sabia que sou fã número 1 de castanha de caju. Como não foi servido nenhum lanche, nem petisco, a única saída era comer castanhas. Comi todas! Alguns minutos depois chegou a esposa de Francisco procurando pelas castanhas para colocar na salada. Era tarde! Só sobrou a lata porque não era possível comer. Nunca vi almoço tão demorado como aquele. Saiu quase na hora do jantar. O que salvou foram as castanhas. Depois tive certeza que Francisco e esposa apesar de grandes amigos, não eram bons anfitriões, principalmente quando se tratava de servir na hora certa. Parece que não percebiam a necessidade dos convidados. Pela simplicidade tinham pouca aptidão para receber visitas em sua casa. Coisa de amigos desligados.
“A amizade desenvolve a felicidade e reduz o sofrimento, duplicando a nossa alegria e dividindo a nossa dor.” (Joseph Addison)
Numa outra oportunidade combinamos para irmos à noite para um show, não me lembro de quem. Acertamos para sair às 20h e marcamos o encontro em minha casa. A esposa de Francisco queria ficar bonita e foi para um salão de beleza. Ele ficou esperando por ela até à meia noite, quando chegaram a minha casa quase uma hora da manhã, eu já estava dormindo, cansado de tanto esperar, não fomos ao show. Coisas da vida, perdemos a oportunidade para estarmos juntos. Passou! A esposa de Francisco estava muito elegante de cabelos pintados, unhas feitas, arrumada e perfumada. Francisco como sempre muito simples, arrumado para a festa como se fosse para o trabalho.
Desculpe querido amigo Francisco não deu para esperar o sono tomou conta de mim. A culpa foi da sua esposa que esqueceu o compromisso e se deteve na beleza. Acho que vocês tiveram uma noite bela depois de tanto esmero da cabeleireira. Eu dormi bem, mas fiquei com a consciência pesada, com a sensação de tê-los frustrado naquela noite. Fui à forra pela demora do almoço e pela gafe de ter comido todas as castanhas da salada.
“A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz.” (George Eliot)
E por fim a terceira boa lembrança entre tantas ocorreu quando os membros da Igreja Batista Esperança e Vida – IBEV – da Cohama, adquiriram um terreno para construção do templo. Era um matagal cheio de lixo que precisava de limpeza. Comentei com Francisco que tínhamos essa missão e ele de imediato se prontificou a conseguir a pá mecânica e caminhões para realizar o trabalho, num final de semana entregou o terreno totalmente limpo para construção do atual templo da IBEV. Naquele dia percebi que Francisco além de um grande profissional, de pessoa exemplar era também um cristão. Um homem de bom coração, fazia o bem sem interesse de receber nada em troca, passivo e disponível. Lembro-me também que após a construção da Igreja o Pastor Adailton quis fazer uma homenagem a Francisco pela ajuda. Ele recusou. Não fazia nada para chamar a atenção, era discreto, pensativo e fiel.
“A felicidade de um amigo deleita-nos. Enriquece-nos. Não nos tira nada. Caso a amizade sofra com isso, é porque não existe.” (Jean Cocteau)
Meu grande amigo Chico! Ontem quando eu estava no Show “Buteco do Gustavo Lima” ao reencontrar a sua esposa senti a sua falta, as lágrimas desceram dos meus olhos, a molhar o meu rosto, o show ficou comprometido porque a emoção da sua ausência me fez triste; agora enquanto escrevo esta crônica as boas lembranças me fizeram chorar novamente.
“Como as plantas, a amizade não deve ser muito nem pouco regada.” (Carlos Drummond de Andrade)
O que importa é que valeu a pena o nosso encontro. O pouco que passamos juntos nunca será esquecido. A amizade é um amor que nunca morre.
As cinzas são a certeza de que a sua essência permanecerá viva para sempre nas flores dos jardins onde elas foram lançadas, de lá florescerão novas sementes e frutos suculentos que alimentarão de esperança, amor e fé todos aqueles que conviveram com você durante a sua breve passagem por esta terra.
“A melhor parte da vida de uma pessoa está nas suas amizades.” (Abraham Lincoln)
Obrigado pela oportunidade de convívio, pelos aprendizados e lições que compartilhamos juntos. Sei que você reavaliou ainda em vida, onde falhou, e sei também que foi perdoado pelos erros. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca errou!
“As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável.” (Madre Teresa de Calcutá)