“Se o homem carrega a sua própria lanterna, não precisa de ter medo do escuro.” Textos Judaicos
No quarto do apartamento tem uma luminária de cristais, quase não utilizada porque gosto de dormir na escuridão, embora que, eventualmente a use para iluminar o ambiente. É mais um objeto de decoração do que realmente útil para a finalidade a que se destina. Este é o meu ponto de vista, diametralmente oposto ao da minha esposa e da arquiteta que projetou com carinho o nosso ninho.
Este objeto pendurado num canto, dá um tom de realeza ao meu singelo dormitório. Antigamente o quarto de dormir não passava de um ambiente simples onde se passava a noite – agora é também elemento de decoração e projetam-se tantas luzes, que o Natal ocorre o ano inteiro, naquele ambiente iluminado por uma coleção de lâmpadas e interruptores, que até hoje, não sei em qual pressionar para ligar a luminária certa. São coisas da arquitetura moderna, que associada ao capitalismo feroz, cria a necessidade de luz, onde se precisa de penumbra.
“Ilumine teus caminhos com os faróis da sabedoria, a lanterna da fé e a vela da sorte.” Glauber Lima
A minha neta Julie, chama esse penduricalho de cristal, muito apropriadamente, de “Lanterna de vidro”. Talvez a visão que ela tenha esteja além do conhecimento habitual, inspirando-se nas lanternas marroquinas, confeccionadas a partir de frascos de vidro usados para armazenar alimentos e conservas, que trabalhados a mão e associados às lâmpadas, são utilizados como luminárias pendentes. A diferença que estes são artesanais e aquele industrializado.
Lembrei-me desta história porque hoje ela dormiu conosco devido a um pequeno problema no ar condicionado do seu quarto. O colchão que mal acomoda duas pessoas se alargou para suportar três, enquanto ela, a avó e eu nos esprememos para dormirmos juntos.
“Os bosques são adoráveis, escuros e profundos; mas eu tenho promessas a cumprir, e milhas a percorrer antes de dormir.” Robert Frost
As crianças querem carinho, estar próximo das pessoas que amam; não se importam com a situação de desconforto que podem provocar e sequer perguntam se podem ocupar os nossos cômodos; quando cheguei para dormir tive que me virar no espaço limitado que sobrava na cama, enquanto ela estava esparramada como se tivesse todo o leito a seu dispor, e ainda, reclamava toda vez que acordava naquele aperto. A ingenuidade das crianças e o amor que elas transmitem nos seus gestos simples, dissolvem as pedras do coração dos adultos e tudo que parecia difícil e sem solução é resolvido num piscar de olhos. Ao amanhecer ela me disse: dormi muito bem!
“A consciência é uma pequena lanterna que a solidão acende à noite.” Madame de Staël
Há alguns dias estava lendo a história de Viktor Emil Frankl (Viena, 26 de março de 1905 — Viena, 2 de setembro de 1997) que foi um médico psiquiatra austríaco, fundador da escola da logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência.
Victor Frankl é um dos homens mais admiráveis que pude conhecer através de suas biografias – numa das passagens ele conta que dormia junto com mais de 10 pessoas num ambiente de terror e sofrimento naquele gueto nazista – e concluiu que aquele espaço que parecia insuficiente, com o tempo passou a ser aceitável – foi com essa lembrança que passei aquela noite.
Não estou preparado para a adversidade, incomodo e sofrimento; enquanto uma neta em nosso meio, naquele colchão macio, com um cobertor de lã e um ar condicionado abaixo de 20 graus Celsius, num ambiente confortável me atormentava; Frankl e os demais prisioneiros nazistas dormiam amontoados numa prisão, sem luz, sem alimento, sem nada e, ainda acreditavam na vida e tinha a esperança de que um dia estaria livre e assim foi…
Frankl, Tilly e sua mãe de 65 anos de idade, foram transportados para serem executados em Auschwitz. Sua mãe é imediatamente assassinada nas câmaras de gás, e Tilly é transferida para Bergen-Belsen, onde morre com a idade de 24 anos. Viktor Frankl é transportado de Viena para Kaufering e Türkheim. Mesmo sob condições terríveis Frankl encontra sua tese central sobre o sentido da vida e a psicologia humana.
Ele não tinha lanterna de vidro, perdeu a liberdade e seus familiares, viveu no inferno em sofrimento, mas, acreditou no impossível, escrevendo seus livros em papéis roubados do escritório nazista do campo de concentração; foi libertado do campo de concentração pelas tropas Norte Americanas. E voltou para Viena, onde ele descobriu que sua esposa, mãe e irmão foram assassinados em Auschwitz; casa-se com Eleonore Schwindt; e sua filha Gabriele nasce; publica vários livros; obteve seu Ph.D; foi promovido professor de Neurologia e Psiquiatria; criou o “Austrian Medical Society for Psychotherapy” e se tornou o primeiro presidente da instituição.
“Todos nós temos uma lanterna poderosíssima que nos faz enxergar cada nuance dos caminhos escolhidos por Deus para a gente trilhar, portanto se lhe falta a pílula necessária, não acuse a divindade de ter colocado você num mundo de trevas.” Charles Canela
Baseado em uma série de palestras Viktor escreve o livro “Homo Patiens. Versuch Einer Pathodizee”, o livro discute como confortar e dar suporte a pessoas que estão em extremo sofrimento. No “Salzburger Hochschulwochen” Frankl expõe “10 Theses on the Human Person”.
“A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.” Confúcio
Tenho algo em comum com Victor Frankl, nasci em 26 de março; 57 anos depois do seu nascimento e no próximo ano completo 57. Ele gostava de escrever em papeis soltos, eu também. Essa coincidência fortaleceu a minha admiração e respeito por ele. A diferença é que ele vivia num campo de concentração, em meio a um amontoado de gente, eu em minha casa confortável; ele dormia com fome, na escuridão; eu de barriga cheia, na penumbra, mas posso a qualquer momento acender a minha “lanterna de vidro”. Ele não tinha a liberdade de escolha, eu tenho. Ele não reclamava da vida, eu reclamo!
“A luz que clareia os meus caminhos pode ser o motivo das intrigas daqueles que vivem da escuridão.” Jader Amadi
Escrevi esta crônica para lembrá-lo que com o passar dos anos, adquirimos maturidade e entendemos qual a nossa missão na vida. Os propósitos nos fazem refletir que cada um tem a sua importância e história e, que uma vida sem propósitos, sem objetivos, é uma vida superficial. Sem sentido. Destinada ao fracasso.
“Se quiser ter uma vida plena, prenda-a a um objetivo, não às pessoas nem às coisas…” Albert Einstein
Os pequenos percalços e dificuldades devem impulsionar a nossa força e afugentar a lamuria. Em vez de lamentar devemos agradecer pela vida.
“Ainda que a vida nos conduza à escuridão, devemos buscar o caminho da luz.” Sérgio Marchetti
Quando conseguimos identificar o nosso propósito de vida, tudo flui: fazemos escolhas acertadas, desempenhamos melhor a nossa missão no mundo, conquistamos paz e felicidade. Você não está vivo por acaso. Muito antes de o universo ter sido criado, Deus já tinha um plano para você. Acenda a sua lanterna e siga em frente com fé!
“Se não houver sol ligue a lanterna, quando não houver luar abra os teus olhos completamente, mas se não houver fé dorme para sempre.” Augusto Mendes
