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Oferece a você a oportunidade de leitura e reflexão sobre textos repletos de exemplos, experiências e lições que irão transformar a sua vida.

HISTÓRIA DE GARIMPEIRO

Por José Carlos Castro Sanches

“Tudo depende do sentido: o garimpeiro entra no buraco sem saída em busca do tesouro.” (Elank Lewer)

                                                     Espalhava-se pela redondeza da Ilha da Fantasia, vizinha à minha pacata cidade, que havia aportado o homem mais rico do mundo naquela terra carente de tudo. A mulherada ao saber que o “noviço” havia chegado com a fama de mulherengo e endinheirado. Com o intuito de chamar a atenção do astuto, se apressavam para mostrar-lhe as pernas, os seios quase descobertos e as nádegas apertadas nas escassas saias justas. Era chegada a hora da conquista, o milionário poderia trazer a esperança do sossego financeiro e a vida fácil para as pobres garotas sonhadoras.

                                                     Elas não sabiam de onde teria vindo o salvador da pátria, aquele baixinho com dentes de ouro, enfeitado nos braços e pescoço com correntes do precioso metal; vestindo bermuda jeans, camiseta de malha, sandálias havaianas. Um exemplar de galã dos garimpos brasileiros. Com extraordinária capacidade de comunicação. Bom de lábia como poucos. Era o sósia do verdadeiro “Dom Juan”, rodeado por lindas mulheres, nem sempre interessadas pelo estrangeiro que reinava entre as pobres moças carentes de quase tudo e iludidas com a possibilidade de saírem da penúria para viverem no mar de rosas. O maior encanto delas era sem sombra de dúvidas, as joias que o forasteiro ostentava, o dinheiro que aparentava ter e esbanjava nas festas fora de época, feitas exclusivamente para jogar dinheiro fora e aproveitar a vida, como ele fazia questão de declarar.

                                                      O visitante era daqueles que sempre contava vitória, chegava a realizar festas para reunir as moçoilas e putas velhas da redondeza e degustar-se nas orgias. Comprava até o carro do taxista para se mostrar influente e poderoso. Era uma forma de chamar a atenção e o interesse daquelas miseráveis garotas que se submetiam a quase tudo para ao final do dia, receberem a recompensa e alegrarem a bolsa com raras cédulas de reais. O maldoso sujeito chegava a amarrar cédulas em um fio de algodão e correr à frente de dezenas delas totalmente nuas, fazendo-as de bobas a mendigar a esmola do fanfarão. Quem fosse mais esperta na corrida da nudez, levava vantagem.

                                                      O sujeito dizia-se oriundo de uma farta jazida de ouro de onde retirara facilmente o dinheiro que dissipava com o vento pelos prostíbulos da região. Apesar do risco de morte que afirmava ter corrido para conquistar aqueles 500 mil reais. A facilidade com que gastava era impressionante, era como se não fosse fruto do seu trabalho e suor. Dizia-se acostumado a ganhar fácil e gastar fácil, desapegado ao dinheiro e aos bens, querendo viver intensamente o momento presente, sem poupar nada para o futuro incerto. Ele gostava mesmo era do carinho, do cheiro das garotas e da proeza de sentir-se importante ao lado delas.

                                                      Contava o viajante que vivera numa região privilegiada pela natureza, em que o ouro era extraído com facilidade, assim como a vida dos “trabalhadores” não tinha nenhum valor. Matava-se por muito pouco e morria-se pela ambição da riqueza. Era tudo ilusório porque com a mesma facilidade que ganhavam, perdiam, inclusive a liberdade, visto que naquele lugar eram todos suspeitos e, um estava sempre vigiando o outro. Quem tentasse dar uma de esperto quase sempre amanhecia com a boca cheia de formigas. Ai de quem reclamasse da injustiça ou crueldade dos capangas ou donos da “mina”. O segredo era ficar calado, trabalhar incansavelmente e torcer para encontrar uma pepita de ouro que o tornasse rico da noite para o dia.

                                                     A riqueza daqueles homens acostumados com a facilidade era sempre temporária, num dia eram milionários noutro serviçais miseráveis à procura da riqueza utópica – o ganho era sempre para a sobrevivência momentânea – o sofrimento, a dúvida, a incerteza e a insegurança eram a única certeza que tinham.

“Aquele garimpeiro, que procura às pressas pedra preciosa na bateia, acaba por fazer festa com cascalho e sem plateia.” (Marcos Marques)

                                                     O escravo do garimpo vivia naquele momento a glória passageira, visitava como outrora as mulheres mais gostosas da cidade, não importava se eram brancas, negras, índias – a luxúria e a vaidade magnetizavam aquele homem encantado pela falsa riqueza – ao ponto de torná-lo incapaz de perceber que tudo não passava de ilusão de um “caçador de ouro”, que naquele dia encontrara a pepita preciosa e julgava-se afortunado. Pobre homem!

                                                     Dizia que nos garimpos por onde havia passado consumia-se das mais belas donzelas – citando algumas das grandes beldades do passado na música – que prosperaram na putaria do garimpo, submissas aos homens nem sempre bem-intencionados que conseguiam retirar da terra, em momento de sorte a “pitada de ouro”, extraída da” veia milagrosa” da falsa riqueza, que o pobre garimpeiro recebia com intensa alegria, sem sequer saber se iria gozar dos benefícios do achado. Por vezes o que julgava trazê-lo felicidade seria sua certidão de óbito, naquele território de homens domados pela ambição, não havia sensibilidade para a vida. A bem da verdade, a vida não tinha valor diante do ouro ou melhor nunca teve.

“A felicidade existe não fora de nós, onde geralmente a procuramos; mas dentro de nós, onde raras vezes a encontramos.” (Humberto Rohden)

                                                     Juntavam a produção da mina, levavam ao banco para vendê-las; enchiam os sacos de dinheiro e gastavam sem remorso, com bebidas, mulheres e tudo que trouxesse prazer para os garimpeiros – a felicidade com a riqueza efêmera – durava tão pouco que ao acordarem do pesadelo, estavam navegando na pobreza e submissão. E o ciclo se repetia incansavelmente…

( ———-)

                                                      Passaram-se alguns anos reencontrei o ex-garimpeiro, doente, num hospital público, mendigando uma consulta. Contava-nos suas bravatas e conquistas da juventude com remorso, porque não soube aproveitar a oportunidade para prosperar e atualmente sobrevive como empregado, com um salário que mal dá para a alimentação dos familiares.  O dinheiro que pretendia comprar um avião, quando ganhava dinheiro fácil no garimpo, fluiu como as nuvens e o que sobrou permitiu-lhe comprar um Chevette de segunda mão, que com o passar do tempo não conseguiu garantir a manutenção deixando-o estacionado em um terreno baldio em frente à sua casa, onde a ferrugem apropriou-se da sucata.

                                                     Aquele homem esbanjador, galhofeiro, que comprava tudo o que queria e jogava dinheiro fora nas noitadas com as prostitutas, bebidas e falsos amigos, agora chora arrependido. Outrora a vida lhe ofereceu benesses, hoje sua maior satisfação é contar vantagem do passado. Anedotas que os amigos e conhecidos sempre desconfiam da veracidade, alguns dizem que o ex-garimpeiro se assemelha aos pescadores na arte de inventar estórias. Outros dizem que tudo não passa de lorota, balela, invencionice, inverdade, novela, pulha, patacoada, ficção, fantasia, engodo, quimera, ilusão, imaginação, devaneio, falácia, conversa fiada, pataratice, patranha, peta, utopia… de um mentiroso mor.

                                                     As putas velhas do cabaré do garimpo perderam o fôlego e o garimpeiro suspeita-se que perdeu o tesão. Dizia-se enfastiado com a vida que levava, com poucos recursos financeiros e sem energia para viver com intensidade como outrora. Consumia os escassos recursos na compra de alimentos e remédios. Quando o desespero batia forte usava o “azulzinho” para relembrar dos bons tempos da juventude no garimpo. Triste fim do garimpeiro que tinha tudo e hoje vive a mendigar moedas dos transeuntes pelas ruas da Ilha do Amor, contando histórias nem sempre confiáveis do tempo que era homem forte, endinheirado, temido pelos garimpeiros a quem fiscalizava e admirado pelas prostitutas que viviam a utopia do momento naquelas plagas onde o diabo havia perdido o cachimbo.

                                                     Da zona do baixo meretrício, na rua 28 de julho, onde o passado é apenas uma bela lembrança, a tristeza reina vacilante. É a vida que se confunde com a saudade dos tempos áureos, refletida nas histórias de um garimpeiro fracassado. O bolso esvaziou, a próstata aumentou, a doença se apossou e a porra da velhice chegou. E agora ex-garimpeiro, o que fazer?

“A vida é como um garimpo. Hoje você extrai uma pedra preciosa, amanhã retira somente o cascalho. O importante é que nunca devemos desistir de lutar por aquilo que acreditamos.” (Jader Amadi)

São Luís, 11 de abril de 2022.

José Carlos Castro Sanches

É químico, professor, escritor, cronista e poeta maranhense. Membro Efetivo da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Academia Rosariense de Letras, da Associação Maranhense de Escritores Independentes, da União Brasileira de Escritores e do PEN Clube do Brasil.

Autor dos livros: Colheita Peregrina, Tenho Pressa, A Jangada Passou; No Fluir das Horas é tempo de ler e escrever, A Vida é um Sopro, Gotas de Esperança, Pérolas da Jujuba com o Vovô e catorze livros inéditos. Visite o site falasanches.com e a página “Fala, Sanches” (Facebook) e conheça o nosso trabalho.

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NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS11.04.2022. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.

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