Por José Carlos Castro Sanches
Site: www.falasanches.com
“O remorso é a dor da alma.” (Madame Staël)

O cachorro alongava-se na sala à espera do dono que estava anestesiado ao celular. Enquanto isso os três filhos e a esposa faziam o mesmo cada um ao seu modo. João não se continha ansioso pela premência de carinho, suspeitava que em algum momento os dependentes cibernéticos tivessem algum tempo livre para caminharem juntos pelo parque do condomínio, onde sempre encontra os amigos, corre desordenadamente e deixa a sua marca de alívio registrada, ora no gramado, ora nas passarelas onde desfilam com os acompanhantes que se fingem de cegos quando percebem que deixam seus dejetos pelo meio do caminho, o saco plástico que carregam quase sempre é uma indumentária para fazer de conta que seguem o regulamento à risca, só vendo para crer.

João mexia o rabo, as patas, se coçava desesperadamente, quase falava, mas ninguém percebia, havia algo que interessava mais àqueles fiéis viciados digitais do que dar atenção a um cachorro piolhento e buliçoso.

João agora latia, rosnava e pulava como se quisesse dizer “Ei, eu estou aqui!”, todavia nada tirava a concentração dos extremados “celulistas” inveterados, como sabemos todo fanatismo torna as pessoas cegas, surdas, insensíveis… Vendo que os lunáticos se excediam na missão e que nenhuma das suas investidas no sentido de sensibilizá-los lograva êxito saiu de mansinho da sala, abriu a porta da casa e saiu sozinho pelas ruas da cidade, logo encontrou outro dono mais sensível que o levou para um sítio distante, lá encontrou uma matilha de cães felizes, galinhas caipiras, patos, porcos, uma boiada cevada, uma chibarrada, cavalos no pasto, passarinhos voando, cantando nas árvores e nos ninhos…

A criança da roça que não tinha contato com a tecnologia, logo que percebeu a chegada de João, o adotou como seu maior amigo e confidente de todas as horas. Agora, João se sentia protegido e tinha com quem contar a qualquer hora.

Enquanto isso, anoitecia na antiga morada de João, houve uma trégua no uso do celular, devido a um apagão do Windows que parou avião nos aeroportos, bloqueou saques nos bancos, transferências, vendas, compras… todos estavam impossibilitados de usar as mídias sociais, internet, entre outros meios de comunicação… foi então que sentiram falta de João. Desesperados saíram à sua procura, gritavam pelas ruas do bairro, colocavam fotos de João nos postes, comércios, drogarias, ofereceram recompensa a quem os encontrasse, de nada adiantou, nunca mais o viram.

Hoje choram a sua falta e descobriram tardiamente o amor que tinham por João, o que sobrou foi remorso e saudade, as noites se tornaram longas, o pensamento vagueia tentando encontrar uma resposta, mas aquele lar nunca voltará a ser como antes sem o cachorro de estimação. Ao tempo em que João vive alegre e feliz na fazenda paraíso. Como disse Mario Quintana: “Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.”

A tempo lembrei-me que a internet como o cachorro João, só é percebida como importante quando não se pode usar, como tudo na vida quando se perde é valorizado. Tati Bernardi estava certo quando disse: “Aquele abraço era o lado bom da vida, mas para valorizá-lo eu precisava viver. E que irônico: para viver eu precisava perdê-lo…”

São Luís, 18 de julho de 2024.
José Carlos Castro Sanches. É Consultor de SSMA da Business Partners Serviços Empresariais – BPSE. Químico, professor, escritor, cronista, contista, trovador e poeta maranhense. Membro Efetivo do PEN Clube do Brasil, da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Academia Rosariense de Letras Artes e Ciências, da Academia Maranhense de Ciências e Belas Artes, da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão, da Federação das Academias de Letras do Maranhão, da União Brasileira de Escritores, da Associação Maranhense de Escritores Independentes. Membro correspondente da Academia Arariense de Letras Artes e Academia Vianense de Letras. Tem a literatura como hobby. Para Sanches, escrever é um ato de liberdade.

Autor dos livros: Tríade Sancheana – Colheita Peregrina, Tenho Pressa, A Jangada Passou; Trilogia da Vida: No Fluir das Horas, Gotas de Esperança e A Vida é um Sopro!; Pérolas da Jujuba com o Vovô, Pétalas ao Vento, Borboletas & Colibris (em parceria); Das coisas que vivi na serra gaúcha, Me Leva na mala e Divagando na Fantasia em Orlando. Participa de antologias brasileiras.

NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS17.07.2024. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.

Rivaldo
22 de julho de 2024 at 09:23
Parabéns, bom trabalho
sanches
17 de dezembro de 2024 at 20:41
Agradeço pelas considerações querido amigo Rivaldo. Deus no comando das nossas vidas!
Elisaure Monteiro
9 de agosto de 2024 at 00:46
Linda e verdadeira reflexão👏🏻👏🏻 mas muitos só valorizam o que há de melhor pra viver qdo não se tem mais e o que resta é o remorso ,dor pra sempre,profunda na alma!! Infelizmente assim caminha a humanidade😏.Tenho me policiado bastante pra não cometer esse comportamento devido tbm eu ser espelho pra Nicolas.Não é dizer :”faça o que eu digo e não o que faço”pois qual seria o meu exemplo em relação a esse comportamento? Qual legado deixaria?Que possamos valorizar o “HOJE” em todos aspectos e situações pois flores devam ser oferecidas em vida!🌹🌺🌷
sanches
14 de agosto de 2024 at 10:07
Agradeço pela atenção e comentário querida cunhada Elisaure Monteiro. Forte abraço, José Carlos Sanches