Por José Carlos Castro Sanches
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“O homem é mortal por seus temores e imortal por seus desejos.” (Pitágoras)
Dalco e Dorminhoco eram grandes amigos de infância, brincavam nas moitas do matagal e tomavam banho nos rios e igarapés dos campos verdejantes da região onde nasceram.

O tempo passou, eles cresceram e foram morar na cidade grande, por lá conheceram novas pessoas – desapegaram-se dos amigos de outrora – caminharam por estradas duvidosas. Dalco enveredou-se nas letras e Dorminhoco continuou dormindo em berço esplêndido vivendo uma vida mansa e tranquila, sem preocupação com absolutamente nada, senão com a rede para dormir e a comida na mesa na hora certa.

Dalco Sedinho muito talentoso, logo escreveu livros., ocupou lugar de destaque nas mais afamadas academias de letras do seu país, afinal não era um simples literato – tornara-se a maior autoridade do seu estado. Diziam as más línguas que com dinheiro e boa conversa comprou quase tudo que desejava – inclusive a vaga numa academia de prestígio.

Dorminhoco, durante os sonhos se inspirava, criava belos textos com milhares de curtidas nas redes sociais – tornou-se um letrista diferenciado, mas as portas eram sempre fechadas para ele nas arcádias onde predominavam interesses políticos, cargos e projeção em detrimento da aptidão e saber literário. Como Mario Quintana, sem lenço e sem documento, vivia desolado e caminhava triste pelas ruas na esperança de realizar o seu sonho de acadêmico, sem imaginar que esse dia chegaria.

Dalco envergonhado diante das conquistas sórdidas, antiéticas e duvidosas – sequer participava das reuniões no sodalício, visto que existia uma grande aversão à sua presença naquele ambiente outrora aprazível para as pessoas afeitas às letras, amantes da literatura ora desprestigiado por motivos torpes. Apesar da falsidade dos puxa-sacos fazendo-o pensar ser bem-vindo àquela confraria, agremiação, associação, junta, comunidade acadêmica, como queiram chamar, o verdadeiro desejo de todos era manter distância do ignóbil.

Aquele ambiente doentio, segregador era cobiçado por muitos escritores talentosos, que sabiam escrever e se dedicavam à causa literária, todavia não tinham dotes, nem a projeção social dos políticos e juristas para serem alçados aos postos de acadêmicos daquela corporação e serem agraciados com a imortalidade – ali não havia lugar para modestos, ainda que dotados da verve poética, notável conhecimento e aptidão para o sacerdócio literário. Era um lugar para os escolhidos a dedo, amigo dos amigos ou afilhados afortunados.

Era um espaço onde deviam conviver os deuses, aqueles que se julgavam superiores a todos, ainda que pouco ou nada produzissem em proveito da literatura, da arte e da cultura. Eram meros fantoches de pelerines ou togas, como os ministros da suprema corte brasileira, que envergonham a todos com ações antidemocráticas, contrariando as leis e a constituição, agindo com parcialidade em beneficio próprio e dos asseclas.

Reproduziam-se os mesmos procedimentos em outras academias, o escolhido era sempre o amigo do rei, embora com qualificação duvidosa para ocupar a cadeira, familiares, apadrinhados dos acadêmicos ou indicados pelo presidente da corte, quase sempre uma escolha por unanimidade, o que leva a crer que a eleição para os novos membros é apenas uma formalidade, visto que a escolha do escolhido é antecipada e amplamente divulgada entre os eleitores.

Por fim, anos depois, Dalco Sedinho partiu para o inferno solitário em uma madrugada chuvosa – não encontrou guarida no céu – o primeiro a chegar ao velório foi Dorminhoco – que havia ressuscitado das cinzas, alegre e feliz ao saber da partida prematura do ex-amigo Dalco.

Suspeita-se que Dorminhoco não havia morrido, apenas dormia um sono profundo para fugir das injustiças praticadas naquela academia. Soube do falecimento do saudoso Sedinho pelos jornais, rádios, programas de TV e mídias sociais que anunciavam a morte do semideus com certa alegria contida.

Poucas horas depois ele estaria a sete palmos debaixo da terra, todo o seu orgulho, soberba, poder…havia acabado. Ainda no velório e funeral começava a briga dos candidatos à sucessão para a cadeira vaga – que agora não pertencia mais ao semideus, tampouco imortal, visto que a morte é cega e não poupa ninguém – motivo pelo qual não devemos julgarmo-nos superiores a ninguém.

Meses depois um novo membro ocuparia a cadeira vaga tão desejada por muitos, adivinhe quem foi o escolhido. Deixarei a conclusão para os leitores – Quem seria o homem ou a mulher a lograr êxito na empreitada e tomar assento na cadeira da afamada academia? Um político, um jurista ou escritor com reconhecida atuação e produção literária?

Agora a torcida era para saber a notícia de quem seria o próximo imortal a desencarnar para dar lugar aos novos acadêmicos que se enfileiravam à espera de uma oportunidade. Como disse Millôr Fernandes: “A Academia Brasileira de Letras se compõe de 39 membros e 1 morto rotativo…” máxima aplicável às demais academias do Brasil.

Certamente a maioria dos acadêmicos prefere seguir as premissas de José Saramago: “Escrevemos porque não queremos morrer. É esta a razão profunda do acto de escrever.” e, Cora Coralina: “Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos.”

São Luís, 22 de novembro de 2024.
José Carlos Castro Sanches. É Consultor de SSMA da Business Partners Serviços Empresariais – BPSE. Químico, professor, escritor, cronista, contista, trovador e poeta maranhense. Membro Efetivo do PEN Clube do Brasil, da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Academia Literária do Maranhão, da Academia Maranhense de Ciências e Belas Artes, da Academia Rosariense de Letras Artes e Ciências, da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão, da Federação das Academias de Letras do Maranhão, da União Brasileira de Escritores, da Associação Maranhense de Escritores Independentes. Membro correspondente da Academia Arariense de Letras, Artes e Ciências, da Academia Vianense de Letras e da Academia de Ciências, Letras e Artes de Presidente Vargas. Tem a literatura como hobby. Para Sanches, escrever é um ato de amor e liberdade.

Autor dos livros: Tríade Sancheana: Colheita Peregrina, Tenho Pressa, A Jangada Passou; Trilogia da Vida: No Fluir das Horas, Gotas de Esperança e A Vida é um Sopro!; Pérolas da Jujuba com o Vovô, Pétalas ao Vento, Borboletas & Colibris (em parceria); Das Coisas que Vivi na Serra Gaúcha, Me Leva na Mala, Divagando na Fantasia em Orlando e O Voo da Poesia. Coautoria em diversas antologias brasileiras.

NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS22.11.2024. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.


