Por José Carlos Castro Sanches

“Quanto maior a dificuldade, tanto maior o mérito em superá-la.” (Henry Ward Beecher)

Esta é uma crônica baseada em fatos reais, que retrata a história de um pai de família desempregado que busca sozinho uma oportunidade num mundo desigual, onde quem não tem Q.I, pena e passa fome à espera da primeira chance para ocupar a profissão para a qual estudou. É uma narrativa emocionante, fascinante e uma lição de vida a ser aprendida. Você irá se encantar com a bela história de superação. Boa leitura e reflexão!

Ezequias das Palmeiras é um jovem senhor de aparência sofrida que completará 32 anos neste 23 de fevereiro de 2020. De família humilde e parcos recursos, sempre quis estudar para ter melhores condições de vida que os seus pais e poder constituir uma família.

Ezequias nasceu em São Luís-MA no dia 23 de fevereiro de 1988, conta que a própria mãe não gostava dele e o abandonou com seis meses na casa da avó, que ganhou na justiça o direito de criá-lo. A avó o levou para a casa do pai, em São Vicente de Ferrer no interior do Maranhão, onde foi morar. O pai trabalhava com manutenção de rádio e televisão e o ajudava na oficina. Como toda criança, queria ser jogador de futebol e, saía escondido para jogar, quando sumia uma peça de rádio ou o pai percebia que havia fugido, recebia surra com soco na cara e em todos os lugares do corpo.

A mãe era manicure e não teve contato com ela. Aos doze anos fugiu de casa, pegou uma Van e voltou a morar com a avó. Ela sempre deu muito amor, hoje não lembra mais, está com 87 anos, com mal de Alzheimer, uma doença degenerativa e progressiva que provoca atrofia do cérebro, levando à demência em pacientes idosos. Ataca preferencialmente pessoas, acima dos 65 anos, suas causas ainda não foram elucidadas.

A avó apesar de amá-lo, mora com o marido que também é idoso e não gosta de Ezequias, porque pressupõe que este não gosta de estudar. Ezequias diz que o seu grande sonho é se formar mas vai ficar para segundo plano porque tem que trabalhar para sustentar o seu filho de cinco anos. E também tem o plano de construir uma casa e desde que perdeu o emprego está vivendo na solidão de um quarto insalubre, onde as madrugadas são amargas e não consegue dormir, pensando na vida.

Aos trancos e barrancos concluiu o ensino fundamental. Aventurou-se no trabalho para ajudar a família e manter o sustento. Sem, portanto, poder avançar nos estudos para crescer profissionalmente, como sempre sonhara. Somaram-se oito anos de espera incessante, poupando do salário mínimo, até o dia em que conseguiu a quantia suficiente para pagar o curso de Técnico de Segurança do Trabalho.

Iniciava-se uma nova etapa na sua vida. Os desafios se acentuavam no trabalho, na escola e, em família. Visto que assumiu o compromisso do matrimônio e desta relação com a felizarda esposa nascera o filho Celestino de Jesus.
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Cinco anos depois. Reencontrei Ezequias num treinamento introdutório de segurança do trabalho numa empresa de montagem eletromecânica. Durante a apresentação, ele se apresentou como Técnico de Segurança, casado, com um filho para criar, e completou que iria trabalhar como ajudante porque estava passando fome, quase desesperado em depressão ao ver o seu filho e esposa em necessidade sem nada poder fazer.

No intervalo do treinamento me chamou no corredor do centro de treinamento e quase implorou para ajudá-lo a ter uma oportunidade de trabalho como Técnico de Segurança. Percebia naquele jovem senhor uma feição desesperada, elevada ansiedade, a fome estava batendo à sua porta com muita frequência e o vício do cigarro era perceptível na transpiração e hálito. O homem estava desesperado e o sofrimento era seu eterno companheiro.

Na oportunidade Ezequias me contou com gratidão. Que agradeceu a Deus pela oportunidade de trabalhar e que uma pessoa muito especial havia aparecido na vida dele para ajudá-lo a conseguir aquele emprego, reforçou que estava passando fome com a família. É doloroso escutar que um pai de família, dedicado, disposto a trabalhar não consegue uma oportunidade no mercado de trabalho.

“É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem numa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota. ” (Theodore Roosevelt)

Passaram-se seis meses reencontrei Ezequias numa ambientação de SSMA para um serviço temporário de 15 dias, de parada de manutenção numa cimenteira. Atento aos detalhes, participativo, sempre com um olhar triste e preocupado com a vida.

Ao final da ambientação Ezequias se aproximou de mim com certa preocupação e disse: acabei de receber uma ligação para ir trabalhar numa empresa como Técnico de Segurança, o que o Sr. Acha? Eu devo ir? Imediatamente disse a ele, vá agora. O que você ainda está fazendo aqui? Então ele completou: entreguei a minha carteira de trabalho para a empresa de recrutamento e estou aguardando que eles me devolvam. Fui até a sala de RH da empresa e falei com a atendente para agilizar a devolução da carteira de trabalho daquele senhor que acabara de receber a melhor notícia dos últimos 32 anos.

“Paciência e perseverança tem o efeito mágico de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos sumirem.” (John Quincy Adams)

Alegre Ezequias me agradeceu e seguiu rapidamente para a BR onde deveria pegar um transporte para ir até a sua quitinete insalubre, como ele disse, buscar o Certificado do curso de Técnico de Segurança e outros documentos requisitados para entregar até as 14h30 na nova empresa.

Como havia encerrado o treinamento para aquele grupo, precisava me deslocar para um novo compromisso na empresa, quando ao sair de uma via secundária para a BR 135, vejo Ezequias, na esquina – logo que me viu apontou pedindo uma carona. Parei ele entrou rapidamente, vindo junto o forte cheiro de fumaça de cigarro – logo disse – o Sr. pode deixar o vidro do carro baixo porque não me importo com ar condicionado. Então disse a ele, de onde vem esse odor de fumaça – ele respondeu: era eu que estava fumando.Pedi a ele, para colocar o cinto de segurança e seguimos viagem.

Então, ele confidenciou que havia chegado ao local de treinamento a pé, porque não tinha dinheiro para pagar passagem. E completou dizendo que que iria no bairro distante, onde mora, buscar os documentos para entregar na empresa. Naquele momento soube que ele não tinha sequer como voltar para casa, estava naquele ponto esperando alguém para pedir uma carona levando-o a um local mais próximo de onde iria pegar um ônibus até a sua casa, depois voltaria ao bairro do São Cristóvão, onde entregaria os documentos no departamento de RH da empresa.

“Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades. ” (Epicuro)

Vendo a preocupação de Ezequias perguntei a ele como iria para casa, sem dinheiro para pagar as passagens. Ele respondeu friamente – dou meu jeito peço ajuda, carona para alguém, mas vou resolver. Em nenhum momento reclamou que precisava de ajuda.

Perguntei como iria fazer para almoçar – respondeu: professor eu já estou acostumado a passar fome, eu quero agora é arranjar um emprego. Porque não é fácil estar desempregado, ninguém me ajuda em nada, vivo numa quitinete insalubre, onde até as minhas roupas estão num saco de lixo e no chão; como ovo e salsicha quando o meu companheiro de quitinete pode me ajudar a comprar, cheguei a pensar em me matar de tanto desespero para cessar a dor que sinto sozinho. Completou: você não imagina o desespero de um homem, pai de família, profissional, desempregado, sem ter ninguém para indicar a um trabalho e por aqui como o Sr. sabe, só consegue algo que tem um Q.I.(Quem Indica).

“O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.” (Friedrich Nietzsche)

Deveras eu estava reflexivo, centrado e comovido com a história de sofrimento, angústia e desespero pela qual passava aquele pai de família desempregado.

Entendi que não devia reclamar de nada, existem milhões de pessoas carentes de abrigo, alimento, carinho, amizade, remédio e de um trocado para pagar a passagem; gritando por socorro, enquanto muitos de nós temos mais do que precisamos e vivemos a reclamar da vida.

” Vencer não é competir com o outro. É derrotar os seus inimigos interiores. É a própria realização do ser.” (Autor Desconhecido)

Ele contava durante a nossa conversa que trabalhou por oito anos como ajudante numa delegacia, onde fazia todos os procedimentos, redigia B.Os, era motorista, office boy, fazia de tudo, tinha pessoas de influência que precisavam dos seus préstimos e sempre estava disponível para ajudá-los. E finalizando disse: chegou um governador comunista demitiu todos os prestadores de serviço, daí em diante eu vivo a perambular pelo mundo, entregando currículos para um e para outro, passando fome e necessidade com a família. Mas, acredito que um dia vou sair dessa; quero comprar um terreno e fazer uma casa para morar.

“A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio.” (Martin Luther King)

Perguntei a ele. Como você conseguiu a oportunidade para participar do processo para trabalhar como Técnico de Segurança na nova empresa? Continuei, foi através de algum amigo ou conhecido? Ele respondeu: ninguém me ajudou em nada, eu fiz inúmeros e-mails, mensagens nos Instagram, deixei currículos em diversas empresas, andando a pé com fome, sem esperança.

Na verdade, não sei porque me chamaram, acho que foi através de algumas dessas mensagens que coloquei na internet. Não conheço ninguém nessa empresa. Vou conhecer ao chegar para entregar os documentos.

Ezequias também disse que a grande alegria que tem na vida é um filho de cinco anos. Segundo ele, nos trabalhos temporários que tem feito, o que ainda consegue receber é para ajudar o filho. Deixa de comer para levar o pouco que tem para o herdeiro. Enfatiza: “O sorriso dele é que me faz continuar vivo, apesar de ter desejado me matar algumas vezes.”

Disse-lhe que a vida é uma bênção de Deus e que nunca se deve desistir dela, e que a ideia de suicídio deveria ser lançada na lata de lixo para sempre, porque a vida apesar do sofrimento, das dificuldades, tribulações, adversidades, é um presente supremo de Deus, que nunca deverá ser “destruído” com as próprias mãos.

“A glória é tanto mais tardia quanto mais duradoura há de ser, porque todo fruto delicioso amadurece lentamente.” (Arthur Schopenhauer)

Vendo aquela situação me sensibilizei e compartilhei um pouco do que tinha para ajudar Ezequias chegar ao seu destino e entregar os documentos para a empresa onde tinha possibilidade de trabalhar como Técnico de Segurança do Trabalho. O seu maior sonho poderia se transformar em realidade.

“A distância entre sonho e realidade se chama ação.” (Autor desconhecido)

Fiquei feliz ao saber que Ezequias estava próximo de realizar um sonho. Ele me surpreendeu com uma lição de gratidão que poucas pessoas têm. Quando pegou o seu telefone, ainda durante a nossa viagem, e ligou para uma senhora que o ajudou, num momento crítico, quando estava disposto a dar cabo à própria vida.

Essa pessoa que segundo ele veio do céu para dar-lhe a oportunidade de trabalhar, ainda que temporariamente, o fez desistir do plano macabro.

“Combater a si próprio é a mais dura das guerras. Vencer a si próprio é a mais bela das vitórias. ” (Friedrich von Logau)

Ezequias disse à Senhora: “Dona Oliveira, eu agradeço muito à senhora, eu estava muito depressivo, não arrumava emprego em lugar nenhum, estava até pensando em me matar, mas a senhora foi a luz da minha vida, a senhora e o Sr. Adriano, entendeu?. Muito obrigado. Eu quero que a senhora tenha um bom parto, que Deus abençoe tudo em sua vida, na sua família, eu sou Ezequias das Palmeiras dos Santos Leão. ”

“Pessoas que você nunca deve esquecer: quem te ajudou nos tempos difíceis; quem te deixou nos tempos difíceis e quem te colocou nos tempos difíceis.” (Autor desconhecido)

Ao final do dia recebi a seguinte mensagem no meu WhatsApp: “Boa noite sou Ezequias. Obrigado pela passagem. Estive lá! É uma vaga para TST e outra para Auxiliar de TST. Fiz a prova e estou aguardando o retorno da empresa. Mas, estou preocupado. Será que vou ficar “queimado” na MC porque pedi para sair antes de iniciar o trabalho? Devido ao convite para participar do processo para a vaga de Técnico de Segurança do Trabalho em outra empresa. ”

Respondi: “Não há motivo para preocupação. Siga o seu caminho. Estou torcendo para o seu sucesso. Forte abraço. Retrucou ele: “Obrigado Senhor, você é um grande homem e tem valor. ” Assim enceramos o nosso diálogo e esta crônica que dedico a Rafael Jaser dos Santos Leão, um admirável vencedor de adversidades. Vencendo as tempestades da vida! Nunca desista Rafael, coisas boas levam tempo! Desembainha tua espada e vence o teu próprio gigante!

“Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois, o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar. ” (Josué 1:9)

José Carlos Castro Sanches
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