Por José Carlos Castro Sanches

“A vida é igual pescaria: se o material está preparado para peixes pequenos, não pegará peixes grandes. ” (Gerson Luiz Cardoso Jesus)
Há aproximadamente 20 anos ocorreu um fato curioso que relembrei quando recebi hoje de um amigo uma foto de uma pescaria, em que ele fotografou o caseiro da sua fazenda com um grande peixe na mão, com uma pose de quem dizia ter pescado aquele pobre peixe que pendurado não era capaz de nadar livre no lago de onde fora retirado.
Fiquei intrigado com a imagem do suspeito pescador com o grande peixe na mão, visto que, pelo que sei pescadores têm mania de nem sem sempre contar a verdade sobre o que ocorre naquelas pescarias, onde normalmente estão a sós e deixam fluir os pensamentos e a criatividade sobre as notícias que criarão para espalhar pelo mundo, nestes dias de internet que tudo se propaga na velocidade da luz.
O que me faz suspeitar de história de pescador, foi um fato real ocorrido quando eu trabalhava numa empresa de produção de alumina e alumínio em Marte.
Anualmente era realizada uma pescaria na “Semana do Meio Ambiente”, ocorria numa lagoa de “água bruta”, chamávamos de “água bruta” porque a referida lagoa recebia e guardava água da chuva para consumo eventual, em extrema necessidade, no período de estiagem, afim de manter o processo produtivo, que faz uso contínuo de água; sem ela, não se produziria alumina, tampouco, o alumínio. Esse bem finito e essencial para a vida, além de alimentar a sede é também fundamental em diversos processos produtivos, dos mais simples, aos complexos, nada que se produz é isento desse precioso líquido, incolor, insipido e inodoro, formado por duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio.
Voltando à pescaria, tudo estava certo, iniciou-se por volta das oito horas da manhã de um sábado a competição dos pescadores. O objetivo era pescar o maior peixe – quem o fizesse seria o vencedor do certame, como havia ocorrido em anos anteriores.
A pescaria era realizada com vara e anzol e os pescadores se distribuíam em volta da lagoa em lugares que consideravam estratégicos para realizarem com paciência a missão de pescar “o maior peixe” e se consagrarem vencedores.
Antes do esperado momento, ocorria entre os participantes uma certa euforia, a expectativa era grande para ganhar o prêmio, que não era valioso, mas destacava o pescador, que por alguns dias seria lembrado entre os amigos de trabalho, motivo de incentivo aos participantes daquele evento anual.
Iniciou-se então a pescaria, após a leitura do regulamento com a participação de todos os presentes. João de Deus, logo pegou o seu anzol, isca e apetrechos de pesca e seguiu para o seu ponto escolhido. Judas Escariotes, ficou num lugar estratégico, segundo ele era o melhor ponto para realizar o seu intento de pescador vencedor. Pedro juntava as iscas ao anzol e de escondia sobre a sombra de uma árvore, e lançava o anzol nas águas da lagoa. Francisco, Antônio e Raimundo mantiveram-se juntos na cabeceira de um barranco, enquanto Eutanásia sentou-se sobre um pequeno barco que era usado para manutenção da lagoa e lançou a sorte nas águas da lagoa, depois de rezar dez ave-marias.
Devo lembrar que havia uma equipe responsável pela organização da qual eu fazia parte, estávamos a observar os movimentos, atender às necessidades dos pescadores e fiscalizando para garantir a legalidade da pescaria. Assim, iniciou-se a pescaria naquela manhã ensolarada. Todos alegres e sorridentes, tornando aquele fim de semana diferente e distraído entre os colegas de trabalho, que quase sempre se encontravam durante a semana para o exercício das obrigações laborais, a ali estavam para pescar na lagoa da própria empresa onde trabalhavam, o que parecia ser agradável a todos.
“ A pesca é muito mais do que pegar peixes. É uma ocasião na qual podemos voltar à bela simplicidade de nossos antepassados. ” (Herbert Hoover)
Poucas horas do início da pescaria Judas Escariotes deu um grito, dando a impressão de que queria chamar a atenção de todos – assim o fez, mostrando aos demais colegas que havia pescado “um peixe grande”.

Nos mobilizamos para receber o pescador com a presa, providenciar a pesagem e observar o peixe com atenção, afim de fazer o registro do fato e aguardar os demais, para consolidar o resultado e premiar o vencedor.
Tão logo Judas apresentou o peixe para a avaliação, os demais pescadores, e a comissão de avaliação desconfiaram que o peixe apresentado não era comum naquela lagoa, assim como o tamanho era suspeito, nunca antes se havia encontrado outro tão grande. O pescador já tinha uma certa tendência para querer ludibriar os colegas nas brincadeiras que juntos realizavam o que aumentava a suspeita.
Quando avaliamos o peixe percebemos que o mesmo parecia estar morto há algum tempo, mesmo sem uma perícia detalhada era possível perceber que havia algo de errado. Não tínhamos entre nós um especialista em peixes, muito menos em pescaria. Lembramos então que deveríamos submeter o peixe a uma perícia técnica, antes de decidir quem seria o vencedor. Logo pensamos num médico veterinário e na ausência deste qualquer um outro, como era um fim de semana o médico da empresa não estava na fábrica, ficamos sem alternativa.
Repentinamente surgiu a ideia de que deveríamos levar o peixe para o Instituto Médico Legal onde seria avaliado por um legista. Ao chegar no IML, o experiente médico, abriu a boca do peixe e logo percebeu que a “guelra” estava com característica de peixe morto no dia anterior. Declarou isso aos organizadores da pescaria e voltamos para a fábrica para comunicar o resultado aos participantes, que continuavam a pescaria.

“O peixe mesmo na rede do pescador, ainda carrega o cheiro do mar. ” (Mourid Barghouti)
Judas, logo percebeu que a sua manobra não teria dado certo, deu um jeito de criar uma situação para ir embora, certamente não dormiria naquela noite. Provavelmente, estava certo de que a sua atitude iria causar-lhe constrangimento e sofreria consequências administrativas por parte da empresa devido sua atitude desonesta naquela simples pescaria entre colegas de trabalho.
Diante da suspeita encerramos o evento, sem um ganhador. E iniciamos uma investigação detalhada do ocorrido, constatando-se na semana seguinte que Judas havia antecipadamente, levado um peixe grande, colocado num anzol que deixara afixado numa vara, exatamente no local onde escolheu para realizar a pescaria, coincidentemente distante dos demais participantes.
A brincadeira lhe custou o emprego, meses depois quando a direção do departamento em que ele trabalhava na fábrica, entendeu que a atitude do empregado era contraria aos valores da empresa, dentre estes o que considerávamos mais forte “agir com integridade”. O que certamente Judas não fez.
“Sempre há novos lugares para pescar. Para qualquer pescador, sempre haverá um lugar novo, sempre há um novo horizonte. ” (Jack Nicklaus)
Como estória de pescador sempre me suscitou dúvida, a partir daquela data ficou mais difícil acreditar neles, por isso, sem desmerecer, questionei a mensagem enviada por um amigo e vizinho, mostrando a foto do caseiro da sua fazenda segurando o peixe, com os dizeres: “ Olha nosso almoço fresquinho, criado no açude comprido”. Logo retruquei: “Bom dia! Como pescador já tem fama de mentiroso. Sempre fico com um pé atrás quando vejo essas estórias. Rsrsrs”. Então, o amigo me disse: “ Hahaha, mas aí está a prova ao vivo e a cores. ”
Então, eu finalizo: Vamos confirmar no IML, porque nem sempre o que se vê corresponde com a verdade meu amigo Valdeci. Eu vivenciei uma situação real para poder duvidar do pescador, senão do peixe. Agora sou como São Tomé, preciso ver para crer.
“Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei. ” (Jo 20.25)
São Luís, 30 de agosto de 2020.
José Carlos Castro Sanches
É professor, escritor, cronista e poeta maranhense.
Membro Efetivo da Academia Luminense de Letras – ALPL
Autor dos livros: Colheita Peregrina, Tenho Pressa, A Jangada Passou; No Fluir das Horas é tempo de ler e escrever, A Vida é um Sopro, Gotas de Esperança e outros nove livros inéditos.

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NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS30.08.2019. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual amparado pela lei nº 9.610/98 que confere ao autor Direitos patrimoniais e morais da sua obra.

Antônio da Conceição Lopes
31 de agosto de 2020 at 16:20
Muito bom meu amigo gostei da História, estava pescando.
Não conhecia esse seu lado poético.
sanches
31 de agosto de 2020 at 23:54
Muito obrigado querido amigo. Aprecio a sua atenção e generosidade. Forte abraço, José Carlos Sanches