Desabafo de um doente terminal
Era um escritor talentoso que se contorcia
No leito solitário de um hospital
Enviou-me por telepatia
Um singelo e sofrido sinal
Diante de tanta tristeza
Faltava-lhe a alegria
Disse-me:
Escrevi o ano inteiro
Dia após dia obstinadamente
Alguns se importavam
Deixei mensagens, sinais
Poucos liam ou olhavam
Chorei, gritei, solucei
Muitos fingiam que escutavam
Outros até adoravam
Aquela era a minha alegria
Que todos ignoravam
Agora que sofro doente
Sem vontade de viver
Parece que todos se agregam
E se apressam em responder
Passou! O momento era aquele
Nada mais tem valor
A única coisa que sinto
É tristeza, angustia e dor
Dê valor às pessoas
Enquanto cheiram o aroma da flor
Depois da doença e morte
Nada mais terá valor
A generosidade é distante
Como a falta de amor
Porque poucos se alegram
Com a felicidade alheia
E muitos fingem presteza
Quando a vida é uma beleza
Na doença e sofrimento
Os amigos ficam distantes
E a vida é um tormento
O que era festa e magia
É tristeza e ressentimento
Nós colhemos os frutos
Daquilo que semeamos
Um dia quando chegares
Diante do meu caixão
O choro derradeiro
Fingido, será em vão
Neste dia nada vale
A dor da falsidade
Se confunde com a emoção
Como a chama ardente
Expelida do vulcão
Transformando magma
em lava espalhada pelo chão
Parou a força do homem
O sangue não corre na veia
Coração parado
É como pedra e areia
Descubro tardiamente
O valor da gratidão
Dos amigos de outrora
Só sobrou a solidão
Carregando a triste lembrança
E o peso da ingratidão
“O primeiro suspiro do amor
É sempre acompanhado
Pelo último suspiro da razão”
Não escutaste o meu clamor?
Eu que era o teu escritor preferido
Por que não me ouviste com amor?
Agora no último suspiro
Nada mais terá valor.
José Carlos Castro Sanches
São Luís, 23 de dezembro de 2019.