Por José Carlos Castro Sanches
Site: www.falasanches.com
“Eu fui um dos melhores engraxates da Bela Vista! Eu ganhava mais do que o meu pai.” (Vágner Benazzi)
Era uma manhã ensolarada de sábado, por volta das 10h quando decidi levar o meu carro na oficina autorizada para resolver uma pendência que eu procrastinava por algum tempo. Convidei minha amada esposa Socorro Sanches para ir comigo, mesmo não tendo feito o agendamento prévio para a avaliação eu tinha a expectativa de ser atendido.
A minha Ferrari há alguns meses apresentava um defeito sem solução, pelo menos entre os mecânicos e eletricistas automotivos que avaliaram o problema. A bem da verdade eles não conseguiram identificar o porquê de as lâmpadas do painel de instrumentos acenderem e apagarem involuntariamente quando o veículo estava em movimento. Diante desse dilema resolvi levá-la à Concessionária Duvel no Centro de São Luís, nas imediações do Mercado Central.
Chegando à Duvel, o mecânico passou um scanner automotivo para identificar possível falha no sistema elétrico do veículo e no painel – pressupôs ter encontrado a solução e liberou a Ferrari para rodarmos por alguns dias a fim de confirmar se o problema estava definitivamente resolvido ou persistiria.
Era meio-dia e meia, quando saímos da oficina especializada. A fome já incomodava, então decidimos almoçar nas proximidades – assim chegamos à lateral esquerda do Mercado Central onde havia diversos quiosques que serviam alimentos.
O restaurante recomendado pelo flanelinha estava lotado, não haviam mesas e cadeiras disponíveis, seguimos à procura de outra opção e encontramos a menos de 10 metros. Um simpático rapaz com a jovem e bonita esposa grávida nos atenderam e informaram os pratos que estavam sendo servidos: torta de camarão, galinha ao molho, carne de porco cozida e assada, carne de panela e mocotó.
Optei pelo meu prato predileto – galinha ao molho – e a minha amada, mocotó. Os pratos eram fartos de arroz, macarrão e feijão, além das proteínas escolhidas para completar a refeição. Comi tudo que tinha direito, deixei o prato e as vasilhas vazios e a barriga cheia. Socorro não conseguiu consumir todo o mocotó, entregou para um pedinte que transitava pelo local. Recebeu o alimento e seguiu feliz para matar a fome.
As cozinheiras não paravam de cozinhar e atender a clientela que era grande e aumentou após a nossa chegada. Comida gostosa todo mundo quer experimentar. Nós gostamos da experiência apesar de ser a primeira vez que frequentamos aquele lugar animado de mesa abundante. Enfim, estávamos saciados. Graças a Deus!
Enquanto eu saboreava a galinha ao molho, percebi ao lado esquerdo da mesa plástica vermelha que ocupávamos defronte do restaurante, um senhor sentado de frente para uma cadeira de madeira recoberta por uma chapa de flandres – aqui faço um adendo para uma breve explicação – a folha de flandres ou simplesmente flandres é um material laminado estanhado composto por ferro e aço de baixo teor de carbono revestido com estanho. A cadeira era antiga e estava num local a céu aberto o que favoreceu a sua depreciação motivo pelo qual o proprietário cobriu o assento e o encosto com folha de flandres para mantê-la preservada das intempéries e acolher confortavelmente os clientes.
Na parte inferior da cadeira havia uma espécie de armário com portas de madeira bem depreciadas pelo uso normal e falta de manutenção. No interior do armário tinha cola de sapateiro, ferramentas de engraxar e recuperar sapatos, sandálias e afins, além de alguns calçados usados possivelmente para serem recuperados pelo exímio engraxate e sapateiro.
Ao terminar o almoço me dirigi àquele senhor que estava sentado em um pequeno banco perante uma cadeira de engraxate – à espera de alguém para engraxar os sapatos. Chegando ao seu lado perguntei-lhe o nome – o que gerou um certo incômodo – como não nos conhecíamos deve ter se assustado com a minha intervenção brusca.
Foi então que me apresentei a ele. Já descontraído e seguro de que eu não representava ameaça disse-me o seu nome: José Carlos Coelho Dias. Fiquei surpreso: Você é meu xará? Não acredito! Logo nos tornamos íntimos e a conversa fluiu naturalmente.
Perguntei-lhe como havia chegado até aquele lugar e se tornando engraxate. Contou-me das coincidências da vida num momento em que estava desempregado e acompanhava um amigo nos trabalhos da feira, conheceu um antigo sapateiro que trabalhava próximo de onde hoje mantém a sua cadeira de engraxate – lá aprendeu a consertar sapatos, engraxar e permanece há mais de 50 anos na profissão que lhe dá o próprio sustento e da sua família.
Recordou as boas lembranças da infância com o pai que era estivador no portinho e diariamente levava a comida dele numa marmita. Ressaltou que certa vez estava desatento observando o trabalho dos estivadores e não percebeu o seu pai pegar a marmita, comer toda a comida e devolver a marmita vazia – quando constatou que não havia comida na marmita e que não tinha entregado ao seu pai, entrou em desespero pois sabia que iria pegar uma surra. A aflição perdurou até o retorno do seu pai, quando soube que ele havia comido o alimento, sem que tivesse percebido. Estava salvo da surra daquela vez.
Foram alguns minutos de aprendizado, troca de experiências e conhecimentos entre o engraxate e o cronista que estava diante de rica inspiração e um vasto horizonte de ideias para transcrever.
Pedi permissão para tiramos algumas fotos, escrever e publicar sobre o nosso encontro inusitado e prolífero, sendo prontamente atendido. Eu estava feliz pelo colóquio.
Nos despedíamos quando chegou o Sr. Silvestre Lisboa, o engraxate que trabalha ao lado de José Carlos e usa uma cadeira tão modesta quanto a dele, com as mesmas qualidades e defeitos. Silvestre que gosta de ser chamado pelo apelido de Cabeça se dizia mais velho do que o amigo de profissão e trabalha naquele ponto há mais de 50 anos, inclusive quando o parceiro chegou àquele local ele já se encontrava ali. Acrescentou que, quando jovem não tinha profissão definida, era camelô – iniciou como engraxate e nunca mais largou a cadeira, a escova e os sapatos – como José Carlos, hoje não sabe mais viver sem fazer o que mais ama. Engraxar!
Ao entregar o meu cartão de visita literário (falasanches.com) para Silvestre ele disse que já havia escutado falar de mim pela Rádio Mirante no Programa de Marcial Lima, orgulhoso me apresentou o pequeno rádio que permite manter-se conectado com o mundo e atualizado das notícias. Disse-lhe que participei algumas vezes do Programa Bom dia Difusora com o radialista e comunicador Robson Junior – que tem divulgado o meu trabalho com escritor e da Empresa Business Partners Serviços Empresariais – BPSE, onde trabalho como Consultor de Saúde, Segurança e Meio Ambiente. Agradeço a Robson Junior, Marcial Lima e à BPSE pela parceria de sucesso.
Após o bate-papo agradável e dignificante segui com a minha parceira de todas as horas até uma barraca no interior do Mercado Central, compramos castanha de caju assada, tão cara quanto o ouro e voltamos felizes para casa com uma linda história para contar. Estava garantida a minha escrita diária desta feita sobre “o engraxate” que na verdade são dois homens que dedicaram as suas vidas para lustrar (polir e limpar) e consertar sapatos.
Eu tiro o meu chapéu para José Carlos Coelho Dias, Silvestre Lisboa e para todos os engraxates do Planeta Terra pela determinação e perseverança em manter uma tradição que remete ao ano de 1806, nascimento do ofício de engraxate, quando um operário poliu em sinal de respeito as botas de um general francês e foi recompensado com uma moeda de ouro. Continuem firmes na missão de engraxate, orgulhem-se das suas profissões. Que Deus os abençoe e guarde as suas preciosas vidas.
Como escrito no Livro Sagrado: Os diamantes são polidos e levados ao fogo para chegar ao seu formato ideal. Assim somos nós nas mãos de Deus, Ele nós molda muitas vezes de forma dolorosa, mas o resultado é uma joia de alto valor.
“O homem que sabe o que quer já percorreu um longo caminho para alcançá-lo.” (Napoleon Hill)
São Luís, 21 de janeiro de 2023.
José Carlos Castro Sanches
É Químico, professor, escritor, cronista, contista, trovador e poeta maranhense.
Membro do PEN Clube do Brasil, da Academia Luminense de Letras – ALPL; da Academia Maranhense de Trovas – AMT, da Academia Atheniense de Letras e Artes – ATHEART, da Academia Rosariense de Letras, Artes e Ciências – ARLAC; da Academia de Letras, Artes e Cultura de Coroatá – ALAC, Sócio correspondente da Academia Arariense de Letras, Artes e Ciência – ALAC, Membro da União Brasileira de Escritores – UBE e da Associação Maranhense de Escritores Independentes – AMEI. Tem a literatura como hobby.
Detentor da Comenda de Mérito Literário Gonçalves Dias, em reconhecimento pela defesa, promoção e valorização da Cultura Brasileira e Título Honorífico de Grande Honra de Defensor Perpétuo do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro, títulos concedidos pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes – FEBACLA.
Livros Publicados: Tríade Sancheana: Colheita Peregrina; Tenho Pressa e A Jangada Passou; Trilogia da Vida: No Fluir das Horas; Gotas de Esperança e A Vida é um Sopro!; Pérolas da Jujuba com o Vovô e Pétalas ao Vento. E outros 20 (vinte) livros inéditos.
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NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS21.01.2023. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.