Por José Carlos Castro Sanches
Site: www.falasanches.com

“Aquilo que cair da carroça, abandone, pois não lhe pertence mais… (Provérbio Cigano)
Eu estava no meu escritório no recanto da sabedoria frente ao meu computador, ladeado por uma janela de onde visualizo o mundo através de um prisma presencial e virtual. Daqui recebo a inspiração divina e transformo em escritos para compartilhá-los diariamente com os leitores ávidos por novidades.
Era 25 de janeiro de 2023 às 10h27 da manhã quando recebi uma mensagem de Ubiraci Silva Nascimento, um amigo de infância e colega do ensino fundamental no Colégio Dr. Paulo Ramos em Rosário – MA, de onde ainda jovem partimos para estudar em São Luís, ele acompanhou a família que mudou-se para a capital maranhense e eu segui sozinho para a casa de um amigo do meu pai que me acolheu na casa da sua família no Bairro de Fátima no ano de 1977, quando iniciei os estudos do segundo grau (atualmente ensino médio) no Colégio Ateneu “Teixeira Mendes”. Mais tarde nos reencontramos no Curso de Engenharia Civil na UEMA, depois seguimos os nossos destinos e novamente a literatura, a arte e a música nos reaproximou.
Após a leitura da crônica “O ENGRAXATE” que eu havia escrito e publicado naquele dia, recebi a seguinte mensagem de Ubiraci: “amigo tens algum escrito sobre a figura do Carroceiro?” Logo respondi: “Vou procurar acho que escrevi algo referente ao Bloco das Carroças em Rosário”. Procurei nos meus arquivos e não encontrei o referido texto. Então, só haveria uma saída – escrever algo sobre a figura do carroceiro como solicitava o cordial conterrâneo músico e compositor maranhense. Fui buscar a inspiração para a narrativa nas experiências do meu pai e boas lembranças da minha infância em Rosário.
O meu pai é um homem de ideias criativas que sempre gostou de experimentar coisas diferentes, um empreendedor nato que vislumbra as melhores possibilidades para manter a dignidade, o sustento próprio e da sua família. Como comerciante em algum momento da vida desejou criar algumas cabeças de gado no campo, aos cuidados de um vaqueiro, logo se desiludiu porque o negócio não progredia, só chegavam as notícias da morte de uma vaca, bezerro ou novilha e não se via a foto da carcaça do bicho para comprovar o traspasse, sempre pairava a dúvida. Como o meu pai é um homem prevenido e de pouca paciência para ser enganado vendeu as poucas cabeças de gado que possuía na fazenda do amigo e saiu daquele negócio sem futuro.
Um certo dia resolveu criar uma vaca leiteira, construiu um curral no fundo do quintal da nossa casa. Eu e o meu avô paterno fomos buscar a vaca na casa do vaqueiro que distava uns 20 quilômetros, a vaca era boa de leite e dela o meu pai tirava o leite mugido e nos alimentávamos nos cafés da manhã.
Passado algum tempo ele desistiu da vaca e comprou uma carroça com uma burra que usava para transportar mercadorias e material de construção além de eventualmente eu e os meus irmãos passearmos de carroça pela cidade de Rosário – era só alegria. Eu me sentia um carroceiro e como era boa aquela diversão diferente – sem a preocupação de ter que tirar o sustento daquela profissão, tudo era apenas brincadeira de criança. Por incrível que pareça era realmente gostoso sentar-se na carroça e tanger o burro sem a devida habilidade, quando por vezes ele desembestava a correr e nos deixava atordoados. Era apenas uma memória que se formava para que hoje pudesse contar essa história. Nada ocorre por acaso!

A carroça é um carro grosseiro para transportar cargas. É um dos meios de transporte mais antigos do mundo, visto que sua utilização é importante para movimentar alimentos e outros tipos de produções, principalmente as do campo. Por ser um transporte bastante antigo, a carroça tem sua sua tração feita de forma totalmente manual. É utilizada desde os tempos mais remotos, a partir do momento que o homem inventou a roda; e através dela foi descobrindo novas formas de transportar cargas e pessoas.

A primeira carroça foi criada na Mesopotâmia, berço da civilização, foi também o nascedouro dos veículos sobre rodas. As primeiras carroças eram de madeira e couro, tinham um tronco como roda e eram puxadas por onagros (uma espécie de cavalo). O peso de carga que um cavalo aguenta na carroça varia de 100 a 150 quilos por viagem, pois somados aos 100 quilos da carroça, o animal estará puxando em torno de 200 a 250 quilos. Estudos de engenharia de produção citam que uma carroça tradicional tem capacidade para carregar 300 quilos. Não me deterei a essa questão com a profundidade requerida, deixarei essa missão para os leitores curiosos e interessados pela temática.
A carroça surgiu no Brasil quando os primeiros colonizadores lusitanos trouxeram bois e cavalos em sucessivas levas nos primeiros decênios do século XVI, incluindo carros, carroças e sua milenar tecnologia construtiva, os utilizando no transporte de materiais e de produtos da terra, inicialmente, o pau-brasil, madeiras e cana de açúcar.
Agora abdico da história e retomo a temática inicial. Em 1978, um ano depois de ter morado no Bairro de Fátima, fui morar na Travessa da Fortuna no Bairro do Monte Castelo em São Luís do Maranhão. Tínhamos dois vizinhos carroceiros que se tornaram grandes amigos, um deles o Sr. Malogrado, tinha um burro brabo, irritado e tempestuoso que todos os dias ao ser selado dava coices girando o corpo com o intuito de acertar o seu dono. Todavia, o dono do burro era mais ignorante que o próprio animal e batia de pau no corpo do bicho até parar os movimentos (amansar) e aceitar a canga. Como diz o ditado popular: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Não havia outra saída senão o “pau no lombo” do bicho.
O segundo carroceiro era mais educado e a jumenta que puxava a carroça era mais adestrada e comportada que ele. Formavam uma dupla amigável e até o caminhar da bicha era sereno, como o dono. O Sr. Prudêncio era pai de muitos filhos e filhas – eu não sei como um cabra feio daquele tinha tantas filhas bonitas – eram morenas da cor de jambo, da negritude e do pecado – talvez tenha sido uma delas que inspirou o poeta José de Alencar a escrever Iracema. Eu tinha vontade de namorar a filha do carroceiro, porém era muita brasa para o meu churrasco; fogo para minha linguiça; manteiga para o meu pão; beleza para minha feiura.
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Normalmente o carroceiro usava a chibata sem dó nem piedade. Os burros, jumentos, cavalos e bois eram castigados pelo sol e pela carga pesada; muitas vezes maltratados. Assim os homens diante do sofrimento dos animais passaram a evitar esse meio de transporte de carga que apesar de mais barato tem limitação de volume.
A carroça puxada por um burro que foi o meu brinquedo durante um curto período da minha infância em Rosário é também um instrumento de castigo, dor e sofrimento para os animais indefesos. Enquanto nos brincávamos, o burro sofria.
O animal e o carroceiro tentam superar os chicotes do dia a dia numa luta desigual; o primeiro pela imposição do sacrifício e o segundo pela necessidade; parecem inimigos embora estejam sobre a mesma canga. Não sei precisar qual o limite de liberdade do dono e do animal. Quem é mais livre? Como assevera o escritor e professor português Vergílio Ferreira: “ A liberdade. Como é difícil. Numa carroça, quem tem menos problemas é o cavalo.”
O condutor da carroça sempre foi discriminado e geralmente percebido como um indivíduo malcriado e grosseiro. Divergindo do que diz o Provérbio Cigano: “A vida é uma grande estrada, a alma é uma pequena carroça e a Divindade é o Carroceiro.”

Deixo que os leitores tirem suas próprias conclusões a partir da vivência e observação daqueles que fazem a história no lombo ou carroça de um solitário animal de carga. Não entendo bem por que essa profissão é marcada fortemente pela atuação dos homens em detrimento das mulheres. Será que a sensibilidade delas é maior que a deles? Ou a força e a coragem deles supera a delas? Vou parar a comparação para não provocar intrigas entre gêneros. Porque agora tudo é motivo para uma briga.
Com o decorrer do tempo, as carroças que outrora eram um meio de transporte usual deixaram de ser, presumo que devido ao excesso de trânsito nas ruas e avenidas e a baixa demanda de serviços que passaram a ser realizados por caminhões, caçambas e outros meios de transporte, com a escassez da clientela poucos se atrevem a manter a profissão.

Contudo aos que se aventuram na profissão, não é nada fácil, portanto precisam de uma válvula de escape para aliviar a cabeça e relaxar o corpo. Afinal, o carroceiro não é de ferro. É um ser humano igual a todos nós, tem o seu momento de descontração e lazer na Quarta-Feira de Cinzas, em Rosário do Maranhão, minha cidade natal.

Lá ocorre o encontro dos carroceiros no tradicional Bloco das Carroças. Ali juntam-se os foliões, burros, jumentos, cavalos, carroças, crianças, adultos e anciãos para brincar o carnaval alguns de cara lavada, outros com maisena, muitos mascarados vestidos de fofão; pulam, dançam, divertem-se e alegram-se com emoção diante da multidão para revitalizarem as energias e encararem com bravura a nobre missão.


Como todo bom brasileiro eles têm sangue na veia e amor no coração, seguem firmes na batalha e escolhem um campeão. A carroça mais bonita ganha prêmio e louvação. A rivalidade amiga mantem a nossa tradição. O animal mais alegre recebe condecoração e o carroceiro segue brincando, alegre e feliz no meu torrão.

Quem disse que a carroça não nos traz animação? Quem é aquele carroceiro que está vestido de fofão? Dizem que é o Zé Pilé filho da Mãe Joana e João do Capilé. Tem cachaça, chuva e mulher quem não gostar que vá para o cafundó ou cafundé. Enquanto eu vou para a casa da minha mãe Zazá e do meu pai José. Lá sou tratado com rei e relaxo feliz ao receber um cafuné.

Ali vivemos o presente entre a vida real e o espaço imaginário, num bloco de carnaval onde a utopia campeia, os carroceiros são os reis e as carroças as estrelas. Como disse Augusto Branco: “Alguém teve que acreditar que era possível chegar ao espaço para que o homem pudesse deixar suas carroças e começasse a alcançar as estrelas.”

Dileto amigo Ubiraci, não sei se ajudei ou atrapalhei; só sei que aprendi um pouco mais sobre carroça e que não deve ser fácil para um jumento, burro, cavalo ou outro animal, suportarem um dia de chibata, sol quente e maus- tratos. Eu prefiro continuar escrevendo do que puxar uma carroça. E você?
“Quanto mais vazia é a carroça, maior o barulho que ela faz!” (Esopo)

Moral da história: Pessoas são como carroças, quanto mais vazias, mais barulho fazem.
São Luís, 26 de janeiro de 2023.
José Carlos Castro Sanches
É Químico, professor, escritor, cronista, contista, trovador e poeta maranhense. Membro Efetivo do PEN Clube do Brasil, da Academia Luminense de Letras – ALPL; da Academia Maranhense de Trovas – AMT, da Academia Atheniense de Letras e Artes – ATHEART, da Academia Rosariense de Letras, Artes e Ciências – ARLAC; da Academia de Letras, Artes e Cultura de Coroatá – ALAC, Sócio correspondente da Academia Arariense de Letras, Artes e Ciência – ALAC, Membro da União Brasileira de Escritores – UBE e da Associação Maranhense de Escritores Independentes – AMEI. Tem a literatura como hobby.

Detentor da Comenda de Mérito Literário Gonçalves Dias, em reconhecimento pela defesa, promoção e valorização da Cultura Brasileira e Título Honorífico de Grande Honra de Defensor Perpétuo do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro, títulos concedidos pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes – FEBACLA.
Livros Publicados: Tríade Sancheana: Colheita Peregrina; Tenho Pressa e A Jangada Passou; Trilogia da Vida: No Fluir das Horas; Gotas de Esperança e A Vida é um Sopro!; Pérolas da Jujuba com o Vovô e Pétalas ao Vento. E outros 20 (vinte) livros inéditos.
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NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS21.01.2023. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.