Por José Carlos Castro Sanches
Site: www.falasanches.com
“Amar os homens é a essência da convivência. Conhecer os homens, a essência da sabedoria.” (Confúcio)
Amanhecia o dia quando Natinho filho de Maria Pequena via a sua mãe caminhando na estrada de terra batida. Surpreendido perguntou-lhe: “Mãe para onde a senhora está indo tão cedo?” Ela imediatamente respondeu com pureza d’alma e sabedoria nata: “Eu não estou indo, estou chegando da festa!” Enquanto isso, Zé Preto descascava a mandioca para fazer farinha.
No final de semana em Barreirinhas tínhamos como objetivo reunir as lideranças e delegados regionais da Federação das Academias de Letras do Maranhão – FALMA, juntamente com o Presidente da Academia Barreirinhense de Letras – ABLAC, a fim de organizar a programação do 5º Encontro de Academias de Letras do Maranhão, durante as festividades do 20º aniversário da ABLAC. Na oportunidade ocorreu o lançamento do livro “Escondido por Trás do Mar,” do saudoso Gil Maranhão, recomendo a leitura pela leveza, atratividade da escrita, apego à natureza, amizade fraterna, solidariedade e espiritualidade.
A comitiva da diretoria da FALMA estava constituída por César Brito (Presidente), Carlos Augusto Furtado (Vice-presidente), Joaquim Gomes (1º Secretário), este que vos escreve José Carlos Sanches (2º Secretário) e Márcia Reis (Tesoureira); recepcionados por Ronildo Calisto, Presidente da Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciência – ABLAC, tendo como representante da regional FALMA do baixo Parnaíba Gilberto Wagner Bezerra Gomes.
A reunião à beira do rio Preguiças na aconchegante Pousada Bhs Lençóis, que recebia os primeiros hóspedes após a inauguração – tínhamos o privilégio de usar pela primeira vez os aposentos daquela casa de hospedagem com fundo para o rio Preguiças e vista privilegiada das águas, dos barcos e da natureza exuberante às suas margens.
Saímos às 11h de São Luís com destino a Barreirinhas no sábado, 15 de junho de 2024, acompanhados pelo Cel. Carlos Furtado, esposa Fabiane Moreira, a empresária e professora Josiane Costa Dutra, a minha esposa Socorro Sanches e eu. Num posto da BR-135, no Maracanã, saída de São Luís, enchemos o tanque do Fiat Toro, aqui um parêntese, o “Toro” tem sede de camelo e bebe como cachaceiro inveterado.
Por volta do meio-dia almoçamos no Restaurante Serve Bem, em Bacabeira, seguimos para Rosário, onde rapidamente passamos na casa dos meus pais, abracei-os e beijei-os, entreguei um quadro com um poema e foto para o meu pai – pela recente passagem do seu 92º aniversário – recebi a bênção dos dois e continuamos a viagem.
Às 13h30 saímos de Rosário, após duas horas, às 15h30, chegamos ao destino em Barreirinhas. Às 16h iniciamos a reunião supracitada, encerrada às 17h30. Banho tomado, roupa limpa e perfumados às 19h estávamos no Mercado Municipal de Barreirinhas para o referido lançamento com a presença do Prefeito Municipal Dr. Amílcar Rocha, familiares de Gil Maranhão, amigos e apreciadores da literatura, arte e cultura, entre estes os representantes da FALMA, acadêmicos da ABLAC, comunitários e populares.
Após o encerramento do evento, era chegada a hora da comilança com as guloseimas por conta dos anfitriões: bolo, café, mingau de milho, tapioca, beiju, pipoca, salada de frutas e outras delícias da cidade, regada a boa conversa e amizade.
Encerrado os comes e bebes – seguimos para o centro da cidade onde brincavam os bois, as quadrilhas… – depois bebemos quatro cervejas geladas na beira do rio Preguiças com os amigos Carlos Furtado e esposa Fabiane Moreira, César Brito, Gilberto Wagner Bezerra Gomes da Academia de Letras de Magalhães de Almeida – ALMAG, Socorro Sanches e eu. À meia-noite corríamos pelas ruas debaixo de chuva até a chegada à Pousada Bhs Lençóis – onde dormiríamos um sono reparador até o amanhecer de um novo dia.
Durante o momento festivo um dos presentes, frente à farta mesa e abundante variedade de iguarias servidas, separou um pedaço de bolo com o propósito de levar para a recepcionista da pousada, a essência do gesto foi mal interpretada, não sendo realizado o intento pela inexplicável reação da consorte. Assim, sobraram motivos para gracejos com o casal durante a viagem, bem como, para as diversas interpretações que cada um dava à atitude do cavalheiro. Como disse José Saramago: “Ser-se homem não deveria significar nunca impedimento a proceder como cavalheiro.” Motivo pelo qual o pedaço de bolo fora entregue a uma gentil atendente da pousada.
Nunca pense que é tarde para realizar o seu sonho só porque teve uma decepção a primeira vez. Afinal, só existe uma teoria na escola da vida: todo aprendizado é assimilado com a prática. O bem-estar na vida obtém-se com o aperfeiçoamento da convivência entre os homens, inclusive entre os casais com mais de quatro décadas de convivência. Aristóteles tinha razão ao dizer: “A alegria que se tem em pensar e aprender faz-nos pensar e aprender ainda mais.” Diante do fato inusitado o confrade Joaquim Gomes, sugeriu que eu escrevesse uma crônica com o título: “O bolo que deu bolo.” Preferi sair pela tangente escrevendo Maria Pequena e Zé Preto.
Amanheceu o domingo, sol ardente, rio Preguiças a baixa-mar– café servido à mesa na beira do rio, recolhemos as malas e deixamos a pousada por volta das 10h com destino ao Povoado Braço – onde almoçamos peixe assado, galinha ao molho pardo, saboreamos abacatada, água de coco, sucos de graviola e acerola. Enquanto escutávamos as galhofas de Maria Pequena e do seu filho Natinho, que é professor de matemática. Ele nasceu no povoado, foi para São Paulo, retornou para o berço materno, construiu a casa onde mora com a esposa e uma filha em frente à residência da mãe Maria. Planta e colhe banana, cultiva outros vegetais; é pescador, ex-presidente da associação de moradores; empreendedor, educador e incentivador do desenvolvimento comunitário; estrategista, visionário, apegado à família e agradável no trato.
Natinho deve ter lido o que escreveu Mario Sergio Cortella: “Por que eu preciso morar em grandes cidades, viver desesperado dentro de um carro para lá e para cá, restringir imensamente o meu tempo de convivência com as pessoas de quem eu gosto, reduzir o meu ócio criativo para ficar num lugar onde vão me oferecer apenas e tão-somente dinheiro?”
Com a chegada à casa de Natinho para o almoço, estávamos no braço do rio Preguiças, como citado anteriormente a casa de Maria Pequena é frontal à casa do seu filho, estrategicamente construída para facilitar a integração familiar, manter a vigilância, distância segura e proximidade com a matriarca.
Maria Pequena é um exemplo de mulher determinada, baixinha com menos de cinco palmas de altura, esguia, desengonçada, apressada e dominadora, mantém a família e os dependentes no cabresto e ferrão. Quem não se adequar às regras da casa é mandado embora, inclusive os maridos. Já enterrou três e ainda cobiça outros, só não quer acordo com o marido de uma amiga bonita que anda jogando indiretas.
Ela tem voz ativa, trabalhou por muito tempo na roça, mexeu farinha nos fornos, o que era sua predileção, teve muitos filhos, perdeu outros, todavia sempre manteve a garra, a determinação, o foco e a vibração – gosta de dançar e foge para as festas sem o conhecimento do marido – apenas dança com os homens porque não gosta de dançar só, mas não permite sequer ao ex-marido abraçá-la mal-intencionado.
Uma aspecto impressionante da tradição familiar, reforçado por Maria Pequena, diz respeito à criação dos filhos. Segundo ela, os filhos eram criados presos, ela inclusive definia (hoje faz o mesmo com os netos que moram ela) com quem poderiam se relacionar, quanto às filhas poderiam sair e passar a noite fora e não havia problema, daí talvez o consentimento para passar a noite dançando fora de casa, chegando ao amanhecer, sem o conhecimento do marido. Passa a ideia de uma criação com ascendência matriarcal, numa sociedade predominantemente patriarcal. Salve Maria!
Ela diz que não gosta de ninguém, porém tudo indica que tem saudade de primeiro marido, pai de Natinho e outros, apesar de dizer que ele não sabia fazer carinho e a tratava sempre de forma áspera. O amor parece não reconhecer esses atributos, porque ela fala nele o tempo todo, como diz o filho: “Ela ainda é apaixonada pelo meu pai, embora não queira reconhecer.”
A Visita à família foi o ponto alto da minha passagem por Barreirinhas, especialmente pelas conversas engraçadas de Maria Pequena e Natinho, vejo neles um potencial extraordinário a ser explorado como uma dupla de humoristas de primeira qualidade – inclusive recomendo por meio desta crônica aos organizadores do evento de comemoração dos 20 anos de fundação da Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências para convidá-los a dar uma palhinha contando suas estórias / histórias e “causos” para descontrair e alegrar o ambiente. Além de oportunizar a visibilidade dos talentosos humoristas barreirinhenses que estão se perdendo no limbo, limitado ao Braço do rio Preguiças, quando poderiam estar explorando o mundo, levando a alegria contagiante e a felicidade que flui ao sabor dos ventos como as areias dos lençóis maranhenses.
Sem esquecer dos dons artísticos e da boa lábia de vendedora de toalhas que Maria Pequena sabe usar muito bem. Adquirimos algumas toalhas para enxugar os pratos. Ficamos tristes porque o jerimum que ganhamos de presente de Maria Pequena, “desandou” devido ao calor e ao movimento do carro durante a viagem – virou suco de jerimum – como nunca eu tinha visto, talvez tenha sido para libertar os pecados de Maria e José, aquela que presenteou e o presenteado. Da próxima vez faremos diferente!
Aqui faço um agradecimento ao casal Benny Anderson Dutra, atual Secretário Municipal de Turismo e Desenvolvimento de Barreirinhas e à sua esposa, professora e futura vereadora Josiane Costa Dutra pelo convite para o passeio e especialmente ao casal Natinho e esposa pelo delicioso almoço servido com carinho, simpatia, poesia e boa prosa.
Após o almoço, comida farta, bate-papo agradável e restaurador fomos comprar farinha na casa de “Zé Preto”. A farinha do Braço é considerada a melhor farinha do Estado do Maranhão, vencedora do 1º Concurso Nacional de Farinha d’água do Maranhão, sendo escolhida pelo voto popular como a vencedora, obtendo 36 pontos, conforme informou o vencedor durante conversa; o segundo conseguiu apenas 16 pontos.
Conforme disse “Zé Preto”, houve outro concurso com base em avaliação científica (ele não soube dizer claramente quais foram os critérios adotados) em que a farinha produzida por ele ficou em 2º lugar, tendo como primeiro colocado um vizinho, assim podemos concluir que a melhor farinha do Maranhão está no “Braço de Barreirinhas”, entre “Zé Preto” e um vizinho, além é claro dos demais produtores de farinha da comunidade que somam mais de duas dezenas de fornos com produção diária, alguns automatizadas em parte do processo aumentando a produtividade, sem perder a qualidade.
Durante a visita à casa de farinha de “Zé Preto” – recomendei a Josiane Dutra que desenvolva um programa para levar os alunos das escolas de Barreirinhas e os turistas para conhecerem o processo de produção de farinha – especialmente no Povoado Braço – onde existe uma cooperativa atuante com vários fornos, além da melhor farinha. Compramos farinha d’água, farinha seca, nos despedimos e partimos.
A próxima etapa seria um banho no córrego – braço de rio – nas proximidades da casa de Maria Pequena e Natinho, entretanto devido ao grande número de banhistas e a premência do tempo, deixamos para a próxima visita.
Partimos em caminho de volta para a Ilha do Amor, acompanhando o casal Benny Anderson e Josiane Dutra, pelas estradas de terra e laterita do povoado Braço até a BR-402, onde nos despedimos. O Casal retornou para Barreirinhas, e nós seguimos para São Luís; fizemos breve parada para comprar açaí em Morros; passamos na casa dos meus pais em Rosário – tomamos café, comemos melão e amendoim – abençoados, avançamos para a capital, em boa conversa com o casal amigo.
Ao chegarmos a São Luís, visitamos os pais do Cel. Carlos Furtado no bairro do Vinhais – o seu pai nos recebeu com alegria e ao final da visita nos conduziu até a saída do prédio, contando suas experiências de vida, as viagens de outrora com a esposa agora enferma, distribuindo simpatia, compartilhando lições de vida e sábias reflexões.
“Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora… desta vida…” (Mario Quintana)
Ao completarmos a missão com êxito e galhardia, agradecidos pela oportunidade de convívio, chegávamos ao Jardim de Lombardia, estávamos agora minha esposa e eu, em nosso doce lar, ninho sagrado, enquanto o confrade e amigo Carlos Furtado e esposa Fabiane Moreira que nos prestigiaram com a agradável companhia seguiram para casa ao encontro do filho Carlos Augusto. Queriam dormir, recompor as energias para acordarem dispostos a recomeçar um novo dia. Como disse Cora Coralina: “Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.” Assim faremos! Deus seja louvado!
São Luís, 17 de junho de 2024.
José Carlos Castro Sanches. É Consultor de SSMA da Business Partners Serviços Empresariais – BPSE. Químico, professor, escritor, cronista, contista, trovador e poeta maranhense. Membro Efetivo do PEN Clube do Brasil, da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Academia Rosariense de Letras Artes e Ciências, da Academia Maranhense de Ciências e Belas Artes, da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão, da Federação das Academias de Letras do Maranhão, da União Brasileira de Escritores, da Associação Maranhense de Escritores Independentes. Membro correspondente da Academia Arariense de Letras Artes e Academia Vianense de Letras. Tem a literatura como hobby. Para Sanches, escrever é um ato de liberdade.
Autor dos livros: Tríade Sancheana – Colheita Peregrina, Tenho Pressa, A Jangada Passou; Trilogia da Vida: No Fluir das Horas, Gotas de Esperança e A Vida é um Sopro!; Pérolas da Jujuba com o Vovô, Pétalas ao Vento, Borboletas & Colibris (em parceria); Das coisas que vivi na serra gaúcha, Me Leva na mala e Divagando na Fantasia em Orlando. Participa de antologias brasileiras.
NOTA: Esta obra é original do autor José Carlos Castro Sanches e está licenciada com a licença JCS17.06.2024. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas. Esta medida fez-se necessária porque ocorreu plágio de algumas crônicas do autor, por outra pessoa que queria assumir a autoria da sua obra, sem a devida permissão – contrariando o direito à propriedade intelectual, amparado pela Lei nº 9.610/98, que confere ao autor direitos patrimoniais e morais da sua obra.